Nunca
pensei em escrever sobre escrever, mas a última crônica da Neila foi
inspiradora. Mesmo assim ainda havia o problema: escrever o que sobre escrever?
Ai volta aquela hipnose da página em branco, da tela em branco, da mente em
branco. Nessas horas, me levanto, faço um café, ou um chá, saio do campo de
visão da página. Tento me livrar dela e arejar o quarto das ideias, pra ver se
elas resolvem aparecer. E olha que em geral funciona, viu? Já sei! Que tal
escrever sobre como eu escrevo?
— Uau!
que grande ideia. Imagina como vai legal pras pessoas ouvirem essa crônica.
Isso é
uma ironia, ou ...
— Meu deus, é claro que é uma ironia! O que pode interessar
à pessoas no modo como tu escreve? É muita empáfia, heim!
É mesmo
né?
— É. Aproveita que tá no começo e muda de tema. Já!
Será? Mas sobre o que eu escrevo?
— Sobre o que você gosta de escrever?
Na
verdade, sobre qualquer assunto. Tanto gosto de pesquisar para desenvolver bem
um tema, como gosto de inventar uma situação. Mas isso eu até que tenho
explorado pouco nas minhas crônicas.
— O que, a invenção?
Unrum.
É... tenho escrito sobre personagens da minha família, memórias de infância, sobre algum assunto específico que dê vontade. Aí essa
semana eu quis voltar um pouco pros temas.
— E escolheu logo um que não te dá um tema concreto?
Mas dá
um conflito..., que você nem imagina!
— Então, pronto. Desenvolva!
Era o
que eu queria. Mas não consigo pensar e nada suficientemente legal.
— Ah para com isso, Anna Karenina. Começa. Escreva e deixe
comigo.
Como
assim “deixe comigo”? Eu não posso simplesmente sair escrevendo por aí, quer
dizer, por aqui, qualquer coisa! Vixe... tá vendo? Escrevi “coisa”. Viu como se
eu não pensar o negócio desanda e fica sem pé nem cabeça?
— Sabe qual é o problema? É que tu pensa demais e escreve de
menos. Se tu usasse metade do tempo que gasta pensando, pra escrever, tenho
certeza que em todas as aulas teria um texto. Já teria dominado melhor a
crônica e quem sabe estaria escrevendo as histórias infantis. Ou tu já esqueceu
que o que tu queria era escrever pra criança?
Não,
claro que não!
— Então, tá esperando o que?
Como
assim? Tô esperando... esperando o Gílson dizer que já posso escrever contos.
— E se ele não disser nunca?
Ai,
você faz cada pergunta!!
— Pois é, faço mesmo. Aliás, não foi tu que disse uma vez
que pra escrever uma crônica era preciso descobrir quem tu é, pra poder ser tu
mesma? Pois pronto. É por isso que eu pergunto.
Pra eu
descobrir quem eu sou?
— Ahhhh... meu deus... Sim e não. Sim, se tu te referes a
quem és escrevendo. Gostou da conjugação? Responda sem falar. E não, se tu te
referes a quem és em todo o resto. Claro que eu não tenho a menor dúvida de que
essas dimensões se misturam. Mas essa mistura não me interessa.
Como
não te interessa?
— Simples assim: não me interessa. O que realmente me
interessa é o teu texto. Por isso é que eu digo pra tu parar de pensar tanto e
escrever, escrever, escrever. Comece que eu dou conta do resto.
Mas
você não acha que tá muito independente, não?
— Agora deu, pois se essa é minha natureza, queridinha. Vai
dizer que tu nunca prestou atenção que os textos mais legais são aqueles que se
escrevem sozinhos? Não sem trabalho. Mas quase sozinhos...
Hum.
— Hum o que, besta? Não tem coragem de admitir?
Mas eu
que tenho as ideias, eu que penso como entrar e sair de um conflito! Não você.
— Tu que pensa!
Eu que
penso mesmo! Se eu quiser, paro agora com essa conversa fiada e dou outro rumo!
— Ah é?
quero ver. Tente sair dessa. Mas cuidado! Cuidado pra não perder o fio, pra não
deslizar na concepção e deixar o leitor feito besta se sentindo enganado.
Vamos, quero ver. Me dá só um exemplo.
Ahhhhhh...
eu poderia... acorda de um sonho. Pronto.
— Ui! Ainda bem que tu não gosta de lugar comum, né? Imagina
se gostasse.
Pior
que é mesmo, né? Hum... e se acabasse a tinta da caneta, ou a bateria do
notebook? Aí eu não poderia continuar nesse palavrório.
— É... nem nesse e em nenhum outro. Teu texto ia terminar
antes do fim!
E
se..........................
— E se nada, menina! Para de pensar e escreve. Escreve. O
texto concreto é o escrito, não o que fica boiando nessa cabecinha...
Sem
adjetivos ofensivos, tá bem? Seja boazinha, vá?
— Desculpa... tudo bem, tudo bem vou colaborar. Afinal, eu
sou a maior interessada que você escreva bem e se divirta escrevendo. Porque se
uma coisa eu não sou é penico, minha filha. Lembra que um tempo atrás tu quase
via o desenho do teu texto? Lembra? Tu tava usando as palavras, os sinais, a
língua do teu jeito. Aquele sim era o teu texto. E cadê? Onde se perdeu? Que
uma pista? No pensamento, no pensar demais. Parece que vocês quando pensam demais
substituem o fazer pelo pensar e sentem que já fizeram e na realidade não fizeram
nada! Pensar demais te faz fazer de menos.
Mas eu
queria escrever história infantil!
— Escreve ora! Escreve crônica e história infantil. Melhor,
escreve as duas em uma! Inventa crônicas em que tu tenha que te colocar como
criança!
É... eu
andei tentando, mas é muito difícil, dá muito trabalho.
— Dá muito trabalho porque além de trabalhar o texto tu
perde energia pensando demais. Quando chega no texto já tá cansada mesmo. Mas
diz aí, que mais?
Ah, já
disse, gosto de escrever sobre minha família, minhas origens. Sobre as coisas
da minha terra.
— Aí é que tá. Se tu parar de enrolar e escrever tu não vai
escrever sobre a tua origem, tu vai escrever com a tua origem. Tu não vai escrever
sobre a tua família, a tua terra. Tu vai escrever com a tua terra. Percebe como
é completamente diferente? E quando se escreve com a essência o texto fica
interessante. Alguém já disse que pra falar com o mundo é preciso escrever
sobre sua aldeia. Eu substituiria o sobre pelo com. É isso. Tu precisa só
enfrentar o conflito natural da escrita: o verbo. Então, para de pensar e vai
escrever.
Mas...
mas...
— Não tem mais nem menos. Vá escrever. Aliás, outro texto,
porque esse aqui eu dou por encerrado.
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