Depois de várias semanas sem textos novos, aqui vai uma historinha. Essa é uma das que eu cato no meu baú de tralhas, invencionices e lembranças, para colocar aqui no Balaio. Espero que goste! Ah, gostando ou não eu queria muito que você me dissesse o que achou dela. Certo? Boa leitura!
Mas aquilo já era demais! Não é
possível que ela fosse assim tão malvada! Quem ela pensava que era? Enquanto
ouvia esses pensamentos, chorando de raiva, Valentina subia magoada pelos
galhos da mangueira. Parava um pouco, chorava um tanto e depois subia mais. Até
que acordou de susto quando o pezinho escapuliu. Só aí se deu conta de que
tinha subido tão alto, que quase dava pra ver o fim do mundo! O sol que se
arrumava para dormir lançou-lhe um carinho de raio nos olhinhos chovidos. A
menina riu enxugando a bochecha.
— Noooossa, Antônia, subi tão rápido que quase caí, não
foi? – Perguntou isso automaticamente, porque no fundo Valentina sabia que sua
árvore nunca, jamais, nunquinha a deixaria cair. E dava mesmo para pensar isso,
porque de um jeito ou de outro, um galho sempre ficava ao alcance de suas mãos.
— Foi sim, majestade apressadinha.
E por que esse choro? – Antônia
era o chamego de Valentina. Ou seria o contrário? Não se sabe. O que se sabe é
que tinha um encantamento entre aquelas duas. Ah, se tinha! Tanto a irmã mais
velha, quanto a mais nova já tinham caído da mangueira, e por isso mesmo, nunca
subiam tanto. Valentina era a rainha e Antônia era o seu reino.
— Ah... minha mãe é muito chata!
Ela pensa que manda em mim. Como é que eu ia pra praça com esse vestido todo
sujo? Foi sem querer que eu me sujei! Sem querer!
— É que os adultos são assim, um
pouco mandões. Eu sei que foi sem querer, eu sei que foi. Logo passará essa
raiva, você vai ver.
— Raiva? Mas eu não tô com
raiva. Claro que não, Antônia! Filha não pode ter raiva de mãe, sabia?
— Ah, não? Por que não?
— Porque... porque... porque...
ora, porque sim! Eu amo minha mãe!
— E quem disse que às vezes a
gente não sente raiva de quem ama? Sentir raiva não apaga o amor que a gente tem.
— Não? Como você sabe? Você nem
é gente, Antônia.
— Não sei, eu sinto. Sinto que
você está com muita raiva de uma pessoa que você quer muito bem.
— Tô é nada. Eu nem queria mesmo
ir praquela praça...
— Agora, você está mentindo.
— Ah, mangueira... para, ô!
Senão eu vou descer.
— Mas é uma mimada, essa menina.
Tudo bem, tudo bem. Não quero que você desça, estava com muita saudade de sua
majestade.
— Eu também minha mangueirinha,
eu também. ‒ Valentina abraçou com todo carinho do mundo o galho mais próximo,
que também era o favorito. Aliás, ela adorava escolher seus favoritos. ‒ E sabe
o que mais? Duvido você adivinhar.
— Não acredito!
— Duvida?
— Duvido muito!
— Pois agora, você vai ver. Olha
isso!
Quase nem respirou e
Valentina já subia reino acima na direção do altíssimo. É que um dia, seu pai
amarrou almofadas reais pelos galhos e uma das almofadas tinha sido amarrada em
um galho altíssimo! Foi isso que ele disse: altíssimo! Devia mesmo ser um galho
importante. E Valentina seguia. De vez em quando parava e confirmava a dúvida
da árvore. Quanto mais a mangueira duvidava, mais a menina subia. Eita menina
sapeca, parecia mais uma macaquinha de tão ágil e forçuda. Ela se esticava
todinha tentando encontrar apoio para subir mais um galho. Era nessas horas que
sem mais nem menos aparecia um galho perfeito, mas que ela não tinha visto
antes.
Antônia gargalhava de tão feliz
e orgulhosa. Até já dava para avistar o trono real, ali, perto do fim do mundo,
quase encostado no céu. Mas para chegar naquele galho e sentar naquela almofada
era preciso muito mais. Não era à toa que seu pai tinha usado a palavra “altíssimo”.
Pois é. A certa altura, Valentina pensou que dali não passaria. Mas ela era
mesmo teimosa. Olhou em redor, avaliou as distâncias e enchendo os pulmões de
coragem pulou na direção do galho mais próximo. E por alguns instantes
Valentina voou. Agarrada no galho abraçou-o também com as pernas e subiu
arrastando o vestido sujo de sorvete. Que danada! A mangueira aplaudiu.
— Viu só, Antônia? Eu não disse
que chegava até o altíssimo! Quem mandou você duvidar?
— Pois não foi, majestade! Como
você foi ágil e valente! ‒ Dizia a mangueira saltitando de alegria, como só as
árvores sabem fazer.
— Meu pai não vai acreditar que
eu subi até o altíssimo! Eu sou a rainha da minha mangueira!
E ali ficou a rainha
Valentina, sentada no seu trono almofadesco, enquanto o sol lhe fazia uma
reverência e ia embora por detrás dos telhados das pequenas casas da vila.
— Valentinaaaaa! Cadê você, menina?
— Ih... é minha mãe. Eles
voltaram, Antônia. Que é, mãe? Tô aqui no altíssimo!!
— No altíssimo? Como é que você
subiu aí, sua danadinha?
— Ora, mãe... com meus poderes
de rainha, claro!
— Poderes de rainha, é? Pois
então dona rainha, trate de descer, antes que escureça ainda mais e seu reino
fique muito perigoso.
— Eu não disse, Antônia, que a
mamãe pensa que manda em mim... ‒ Disse ela cochichando em um dos ouvidos da
árvore.
— Mas ela tem razão, majestade.
Acho que já está na hora de sua majestade se recolher aos seus aposentos. ‒ A
menina fez cara de interrogação com aquelas palavras estranhas, mas não quis
perguntar o que era. Começou a descer bem devagarzinho, como se não quisesse chegar
ao chão. Já embaixo, abraçou o tronco da mangueira e beijou uma de suas
bochechas.
— Valentina!
— Já vou mãe! Tchau, Antônia.
Durma bem e lembre sempre que eu te amo.
— Eu também, minha valente.
— Valentina! Ô filha, saia logo
desse quintal. Venha... venha... venha fazer sua coroa!
— CO RO A? ‒ Os olhinhos da rainha
brilharam como duas luas cheias ‒ Coroa, mãe?
— Sim, claro. Se você acaba de
conquistar um reino, agora precisa de uma coroa. Onde já se viu uma rainha sem
coroa? Venha logo ‒ e a menina foi pulando, correndo e virando estrelinhas, do
fundo do quintal até aporta de casa, onde a esperava a rainha mãe.
— Que dizer que a senhorinha
subiu até o altíssimo? ‒ abraçada às pernas da mãe, Valentina pedia desculpas pela birra,
bem baixinho, mas sem dar o braço a torcer ‒ Seu pai já sabe disso?
— Não, mãe!!! Cadê meu pai?
Paaaaaaai, eu subi até o altíssimo!
E lá se foi vossa majestade, a
rainha Valentina I, pela casa a fora rumo a primeira noite do seu longo reinado.
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