Comecei a escrever essa crônica há dois domingos atrás. Estava ansiosíssima com o Simpósio que faríamos na terça seguinte e a única ação que me acalmou foi sentar e escrever algumas reflexões que há muito planavam nos meus pensamentos. Fiquei contente ao escrevê-las, fiquei contente com o Simpósio e espero que de alguma forma esse texto converse com suas reflexões cotidianas. Para começar bem a semana, mais uma Crônica de Balaio.
Num daqueles dias de 2010 estávamos eu
e Kleiton, conversando no quintal da casa da Michele, enquanto ele fumava um
cigarro.
—
É Kare... e o louco é que nossos pais faziam tudo parecer tão simples, né?
— Não é menino! Esse mês, Kleiton, tá difícil até
pagar conta com dinheiro no banco, sabia? O que me deixa pior ainda. Me sinto
um lixo quando eu consigo atrasar o pagamento de uma conta mesmo tendo dinheiro
pra pagar.
— É, mas a questão é outra, né? Essa vida moderna
exige demais da gente. E tem horas que eu fico paralisado.
—Isso mesmo! Paralisia. São tantas coisas pra
fazer, resolver, pensar, querer que a gente paralisa. Fico te imaginando com
os problemas de saúde dos teus pais. Que barra, heim nêgo.
— Barra mesmo, Kare. E ter ido morar com eles de
novo tá sendo difícil, viu!?
—
Acredito. Além da separação em si, ter que lidar com essa volta pra casa e num
momento tão delicado... ok, você venceu.
Demos
risada enquanto ele apagava o cigarro na sola do sapato e voltamos para sala
onde, junto com outros três colegas da EACH, planejávamos um evento sobre
diabetes. Enquanto caminhávamos eu pensava na vida do Miguel, da Viviane e da
Michele. Cada um com suas questões, cada um com seu cada qual. Cada um sabendo
a dor e a delícia de ser quem é. No entanto, estávamos ali planejando um evento
que para nosso entendimento de educação e do nosso papel no mundo fazia todo o
sentido, por mais que na moeda acadêmica isso não valesse nada. Estávamos ali
pelo sonho, pelo desejo de coerência mínima entre discurso e prática. Senti
alegria.
Em
tantos outros momentos, essa sensação de paralisia se fez presente. Durante a
pós-graduação isso era recorrente. A cada novo experimento eu demorava,
enrolava um monte até que começava, para depois perceber que o dragão não era
tão grande. E por mais que isso sempre acontecesse, eu nunca conseguia encurtar
esses períodos de imobilização. Talvez eu tivesse a ideia burra de que o bom e
o necessário devem acontecer sem esforço, sem trabalho. Devia ser isso. Eu não
entendia como era que o meu orientador podia trabalhar tanto e ser feliz. De
certo é porque aquilo, para ele, não era só trabalho. Vivia cansado, não
almoçava direito, mas sempre entusiasmado com o resultado mais simples dos
nossos experimentos. Sempre criativo e motivado para muito mais. E eu achando
aquilo tudo uma alienação danada. Alienação. Alienada era eu que achava que era
possível construir sonhos sem muito sangue, suor e lágrima.
Esses
dias tenho andado mergulhada na infinidade de tarefas necessárias para a
realização de um simpósio na nossa Escola. Dezenas de mensagens, inúmeras
reuniões, contatos daqui e dali, várias ligações telefônicas. E preciso me
lembrar de que não é porque eu liguei que a tarefa foi cumprida, certo? É
necessário falar com a pessoa. Uma obviedade, eu sei. Mas do mesmo jeito que há
meses em que pagar as contas vira um trabalho de Hércules, há momento em que enfrentar
conversas, ainda que breves e simples, me dá a sensação de lutar contra um
titã. E depois que desligo penso: não foi tão difícil. Aliá, não foi nada
difícil. E de novo um trabalho tremendo que não me dará uma linha importante no
Lattes. Mesmo assim me vejo entusiasmadíssima com o que estou fazendo, porque
faz sentido. Ai, sinto alegria.
Mas
a paralisia também existe quando a tarefa é me divertir. Em maio farei uma
viagem sozinha e demorou muito para eu começar a curtir a ideia. Aliás, quem
quis viajar, fui eu e mesmo assim, tive dificuldade para começar a olhar os
preços das passagens, escolher hotel e os etc. Não deveria ser muito legal
preparar uma viagem que se quer fazer? Que se idealizou? Na minha lógica,
seria. Mas na minha prática não é. Fico enfurecida com essa Anna Karenina.
Afinal, qual é o ponto? Uma negação da maldição primordial, que diz: ganharás o
pão com o suor do teu rosto, ainda que o mandamento tenha sido para Adão? Ou
seria assumir a filiação de Antônio na minha vida de certidão e viver como se
tudo fosse resolvido com inteligência? “Sim, mas, inteligência não exclui
esforço!” Ah, não? “Claro que não... Não vai dizer que você quis ser cientista
achando que teria uma certidão de glória e uma vida de Nobel por ação do acaso,
vai?” Está bem, não digo. Não digo e dou razão ao Filipe, que em uma das
tirinhas de Quino, termina o último quadro com a célebre frase: “nunca termina uno
de conocerse”.
Conhecer-se e reconhecer-se nesse mundo cheio de
opções é de certo uma tarefa para essa vida de adulto. Talvez a maior. Saber o
que me traz alegria e realização, e mais, assumir isso como escolha, é ser
adulto. É aceitar a complexidade que venho construindo, mesmo que ela não seja
ainda reconhecida no Lattes. Se não consigo lidar com mais do que 5 opções de
soverte, por que insisto em frequentar a 50 sabores? E olha como é bom ser
adulto: não só posso escolher o sabor, mas decidir tomar sorvete, mesmo
gripada. Me deixar orientar pela satisfação de uma tarefa ou desejo bem
cumpridos, achando que faz sentido na minha vida e que pode ser interessante
pra vida de alguém, é o meu ser adulto. É o meu ser autônomo. Mas isso exige! Exige
de mim uma atitude que só me lembro de ter tido, assim, tão naturalmente,
quando era criança: coragem.
Olá! Tudo bem?
ResponderExcluirQue bom que você deixou uma mensagem no meu blog (Matraqueando) porque assim descobri seu site e posso entrar em contato por aqui!
Estamos tentando enviar seu Guia Matraqueando, mas seu e-mail (da USP) volta. Já deixei mensagem para você há tempos no Facebook mas acho que você não viu. Por favor, escreva para sac@matraqueando.com.br e nos passe outro e-mail por favor! Abs!
Silvia Oliveira
matraqueando.com.br
Oiê!
ExcluirAinda não recebemos seu novo e-mail para envio do Guia Matraqueando. Aguardo contato.
Abs!
Sílvia
Oi querida,
Excluirhoje te enviei outro e-mail. Você chegou a ver?
Obrigada.
Karenina você me fez descobrir através desta crônica o que é que me aperreia vez e outra...rs...o fato de ser adulta....Muito bom, porque também me fez lembrar que o que ela quer da gente é CORAGEM....
ResponderExcluirbeijos minha flor
bel
é isso mesmo, Bel, coragem!! Fico morta de feliz com a visita e pelo fato do texto conversar contigo. Passe sempre! um beijo!
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