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domingo, 26 de agosto de 2012

O rio abaixo do rio


           Quando fui ao México, em novembro de 2003, eu ouvi, pela primeira vez, uma música que na alma eu já conhecia. A melodia chora, a letra chora, a alma chora. Não por acaso o nome da música, que hoje é de domínio público, é La llorona, a chorona. Em todo lugar que eu ia e podia pedir música, eu queria ouvir La llorona. Não sei quem, mas alguém me disse que tinha a ver com uma história trágica de uma mulher. Lembro de ter feito a pergunta idiota: mas é verdade mesmo? Que importância tem a verdade de uma história que vem sendo contada por um povo há mais de 500 anos? Se você viu o filme Frida, talvez se lembre do momento em que Salma Hayek (a atriz que interpreta Frida) contracena com Chavela Vargas, que interpreta essa música fazendo o papel da morte. As duas tomam um trago num bar, enquanto Chavela canta La llorona. E é essa história que quero contar hoje.

         Dizem que um fidalgo espanhol se apaixonou por uma moça muito pobre e lindíssima. Com ela, teve dois filhos, mas nunca se dispôs a casar. Tempos depois, ele chega com a notícia de que vai voltar para Espanha e casar com uma mulher da nobreza, escolhida por sua família, e que levaria consigo as crianças. A pobre moça fica fora de si e enlouquecida pela dor e atordoada com a possibilidade de ficar sem os filhos, ataca o companheiro, rasga sua roupa e fere seu rosto. Ela também se lastima. Num ato desesperado, pega as crianças, leva-as até o rio e jogando-as na correnteza. Seus filhos morrem afogados e ela, traspassada pela dor e pela loucura, cai morta às margens do rio.
         O fidalgo volta para Espanha e realmente se casa com a noiva prometida. A alma de La llorona sobe ao céu. O porteiro-mor a recebe e lhe concede a entrada, mas impõe uma condição. Ela só poderá entrar no céu, depois de resgatar as almas de suas crianças. É por isso que se diz hoje em dia que La llorona está sempre à procura de seus filhos nas margens dos rios. Com seus longos cabelos, mergulha seus braços na água e rasga o lodo do fundo com seus dedos longos e delicados. É por isso que se diz também que as crianças vivas não devem se aproximar dos rios depois de anoitecer, pois La llorona pode confundi-las com suas crianças e levá-las para sempre.


         Essa história também é contada no livro “Mulheres que correm com lobos” de Clarissa Pinkola Estés. Para a autora, este conto mexicano fala da morte da energia criativa, da estagnação do rio da criatividade. Então, para começar a semana lindamente, limpe suas águas. Tire delas o que as polui. Abra caminho para o seu rio criativo correr saudavelmente.

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