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domingo, 8 de julho de 2012

"João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili.."



                      Carlos Drummond de Andrade é o homenageado da Flip desse ano. Ai, ai, ai... Mais uma Flip que eu não fui. Mas do ano que vem, não passa! Me prometo. Por causa da Flip e porque Drummond é o grande homenageado, hoje no Balaio temos poemas desse grande itabirano mineiro brasileiro.
                      Drummond nasceu em 31 de outubro de 1902, em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, filho dos fazendeiros Carlos de Paula Andrade e D. Julieta Augusta Drummond de Andrade. Talvez por causa da influência do primeiro colégio interno (Colégio Arnaldo, da Congregação do Verbo Divino) onde estudou, ou por destino mesmo, nunca foi muito chegado ao trato da terra. Logo, logo, manifestou sua preferência pelas letras. Parou de estudar em 1916 por problemas de saúde. No ano seguinte, passou a ter aulas particulares e em 1918 entrou no colégio interno Anchieta em Nova Friburgo. Mas aí, dois anos depois, foi expulso por “insubordinação mental”. O que poderia ser isso? Alguém pode me dizer? Desse colégio, Drummond guardou o jeito de andar contido, com os braços junto ao corpo e a cabeça baixa. De fato, insubordinação, só mesmo a mental! Eu não diria que ele foi uma pessoa insubordinada, mas me surpreendeu saber que Drummond recusou os convites para se tornar imortal como membro da Academia Brasileira de Letras. Mesmo sem a Academia ele se tornou imortal. E talvez de uma imortalidade mais imortal ainda. Boa leitura, boa semana. Aproveite os Poemas no Balaio!

 

Destruição

Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada, ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
Deixaram de existir mas o existido
continua a doer eternamente.

 

Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

 

Quadrilha


João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.


No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.




Infância

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu… Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro… que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.



Confidência do Itabirano


Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro o do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa…

Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

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