_ Ótimo. Combinado. Eu vou só tomar um banho rapidinho e
já saio. Tem certeza que ela vai, Baby? Eu vou só para conhecer essa mulher.
Preciso desse contato.
_ Gata, tranquila. Eu já te disse, que ela é muito amiga
do Carlos. Com certeza ela vai tá no aniversário dele. Além do mais, o Bruno já
andou comentando sobre o seu projeto com o Cacá e ele ia contar para ela, só
para sondar.
_ Ai Baby, estou até nervosa, de tanta ansiedade. Logo eu
que nunca achei que fosse uma pessoa ansiosa. Ai meu Deus! Está bem, gatinho.
Até daqui há pouco. Ei, espera! Como é mesmo o nome do bar?
_ Zé menino, amada, Zé menino. Beijo. Mas não vai chegar
muito tarde, porque ela vai só dar uma passada por lá. Não demora heim! Até já.
_ Pode deixar. Não vou demorar. Beijo. Tchau.
Uau!
Aquela era minha chance de conhecer a Cristtine Mauer e sondar a possibilidade
dela ilustrar uma história minha. Seria demais! É claro que eu nem sei se tenho
grana para pagar. Mas como saber, sem perguntar? Eu estava encantada com o
traço e a firmeza das formas. Na verdade eu tinha acabado de conhecer o
trabalho de Cristtine numa exposição no SESC Pompéia e já não conseguia ver
minha historinha sem suas ilustrações. Além das aquarelas e dos desenhos em
preto e branco, do tipo que se põe o lápis no papel e só tira quando acaba,
Cristtine também fazia poemas. Segundo as informações da exposição, seu portfólio
carecia de ilustração de livros infantis e eu estava, absolutamente, disposta a
colaborar com ela. Dei uma risada magnífica quando me peguei nadando nesse
pensamento petulante. “Tá se achando, heim, Anninha! Tá se achando.” Aumentei o
volume do som e caminhei para o banho jogando peças de roupa pelo caminho. “Ah,
não... quem pode ser?” A campainha tocou insistente.
— Ô!! Que pressa é essa? Tá ficando doido, é? É nisso que
dá morar em casa! Fábia? O que é tu tá...
— Onde você tava que demorou tanto? Menina não tem lugar
nessa rua pra estacionar, né? Ô inferno! Ai, abri logo Kare, eu tô precisando
desabafar.
— Puxa vida Fábia, mas olha, eu estou quase de saí...
entra, vai...
— Cadê a cachaça? – Perguntou já a caminho da cozinha. Eu
fiquei paralisada no meio da sala, totalmente sem ação. O jeito foi descongelar.
— Escuta aqui, num tô entendendo nada. Qual é, qual foi,
por que é que tu tá nessa?
— Olha só, escreve o que vou dizer: nunca mais eu volto
com o Marco Antônio! Nunca mais, ouviu? Nunca! Argh...também nunca mais bebo
essas tuas cachaças. Aff, parece um gato unhando a garganta por dentro. N u,
nun, c a, ca. Nunquinha. Ô troço horrível!
— Vem cá, que diabo é isso? Para um pouco e me explica.
— Kare, eu não agüento mais o Marco Antônio. Sabe qual
foi última dele?
— Fabinha, infelizmente eu... – Eu a seguia atordoada e
já estávamos de volta a sala.
— É Kare, infelizmente mesmo, mas dessa vez eu não posso
deixar passar. Desculpa, eu estou muito nervosa, posso pegar água? Ai não, você
pega pra mim? Menina você está precisando trocar esse sofá, heim? _ “Mas que
folgada!!” _ Nossa, essa foto é da Sarah? Que grande que ela está! Amiga, senta
aqui. Nem te conto.
— Fábia, não dá pra conversar contigo agora.
— Por que não? Você nunca me dá atenção. Não me liga, não
responde e-mail, não me procura. Não sei por que eu ainda quero ser sua amiga.
Você nem imagina o trânsito que eu peguei pra chegar aqui. Não, Kare, não aguento
mais o Marco. Por que ele faz isso comigo?
— Fábia, eu já te disse tudo o que eu tinha pra te dizer
sobre essa história. Não há novidade nenhuma e você já sabe a minha...
— Kare, eu sempre fiz tudo por ele! Como ele pôde fazer
isso comigo? Como, me diz? Eu preciso me dar valor, é isso. Eu preciso ter
orgulho próprio.
— Fábia...
— Fala, Anna Karenina, fala pra mim por que é que estou
passando por isso? Eu não mereço isso. Eu que sempre...
“Ah,
merece...” Eu já nem mais ouvia a voz irritante da minha visita inconveniente
de tão transtornada com aquela invasão extraterrestre na minha casa, daquele
jeito e naquela hora. Não, não podia ser verdade. Aquilo não estava
acontecendo. Não comigo, não naquele momento. Sem encontrar outra saída a não
ser deixar a Fábia falando sozinha, levantei do sofá e avisei que precisava
tomar banho. Que ela ficasse à vontade. Novamente me dirigi ao banheiro
deixando aquela ladainha na sala. Não, não, a ladainha me seguiu e em uma
atitude ainda mais invasiva, Fábia baixou a tampa do vaso sanitário e sentou de
pernas cruzadas.
— Tome seu banho sossegada, não vou te incomodar.
“E o que
ela achava que está fazendo? É muita falta de noção!” Fiquei sem ação diante de
tamanha inconveniência. Não consegui nem reclamar. Tomei o banho mais rápido da
minha vida, tentando não escutar o que ela dizia. O pior é que a cada palavra
ela demonstrava mais fragilidade. Eu sentia que a qualquer momento ela
começaria a chorar e aí teríamos uma tragédia. Já sabemos, eu não conseguiria
mandá-la embora e nem sair. Ainda bem que ela desviou a atenção para encontrar
mais um defeito na minha casa.
— Anna Karenina, tu já mora aqui há 3 anos e ainda não
colocou um box nesse banheiro? Francamente, amiga, pelo amor de Deus! Essa
cortininha já deu o que tinha de dar, né?
— Você acha Fabinha? “Senti um alívio”.
Mas assim
que chegamos ao meu quarto, ela sentou-se na cama e abriu o berreiro no mesmo
instante em que o telefone tocou. Com certeza era o Baby. Eu não sabia o que
fazia primeiro: se reclamava porque ela tinha sentado no lençol da cama com a
roupa da rua, se terminava de vestir a calça, ou se atendia o telefone. Optei
pelas duas últimas alternativas simultaneamente.
— Alô.
— Gata, você não deveria já ter saído de casa? A noite
está uma delícia e já estamos aqui.
— Baby, eu estou entre a cruz e a caldeirinha. Você não
imagina quem chegou aqui.
— Não amada, não faço ideia de quem você terá que
expulsar em um minuto. Seja quem for querida, trate de se livrar o mais rápido
possível ou trazer junto. A Cristtine acaba de ligar para o Cacá dizendo que
está vindo.
— Ai Baby, Deus me ajude. Preciso desligar. Tchau.
Terminei
de me vestir aperreadíssima. Ora eu queria dar o mínimo de atenção à Fábia, ora
eu queria quebrar o pescoço dela. Afinal, o que diabos ela tinha vindo fazer
aqui, se nem somos tão amigas! Não é ela mesma que reclama?
— Fábia, olha só. Não, não. Quem vai me escutar é você,
agora.
Depois
de contar a situação e a importância que tinha para mim aquele encontro,
enxuguei suas últimas lágrimas e propus.
— Você pode ficar e dormir aqui e aí conversamos na
volta, ou você pode vir comigo ao aniversário, embora eu saiba que você não
está para muitos amigos, ou saímos juntas e conversamos outro dia. Que me diz?
— Ai que droga. Desculpa. Eu sei que estou sendo um
estorvo e me odeio quando eu faço isso.
— Não exagera, vai, Fá.
— Deixa eu ver... eu estou mesmo precisando jogar
conversa fora, e ficar sozinha numa sexta-feira a noite é de matar! Eu vou com
você. Assim me distraio um pouco.
— Então vamos. Lava essa cara, dá um tapa na maquiagem e
vamos que eu já estou atrasada. Vou chamando o taxi.
— Não, não. Não precisa. Eu estou com o carro do Marco.
— O que? Ainda bem que eu não te dou muita trela, Fábia.
Ainda bem! Anda logo!
— Tô indo querida, tô indo. Não quero que você perca seu
encontro por minha causa.
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