Faz tempo que eu não posto uma Crônica de Balaio. Já estava ficando com saudades. Pois aqui está uma, que fala inclusive do momento que vive o Balaio. Por sugestão de um amigo, estou tentando desfazer os erros clássicos de blogueiros de primeira viagem. Vai demorar, mas aos poucos vocês verão as mudanças. Abraços, beijos e desejos de uma ótima semana!
Este ano, elas bateram o recorde! Sete até agora. Três
escolheram lugares seguros, mas as outras 4 não selecionaram tão bem a
superfície onde se fixar, para esperar o tempo da Bela adormecida. E eu, como
bom ser humano que sou, me achei no direito de intervir no processo delas e
salvei-as da faxina de ontem. Estou absolutamente segura de que se não fosse
por mim, a Maria as teria aniquilado, sem pensar duas vezes. Até tive que dizer
que aquelas, no depósito plástico, eram parte do meu trabalho. Deu certo.
Todo ano é assim. Volto das férias em Fortaleza e meu
nano quintal está cheio de bolinhas marrons caídas de umas palmeiras do
condomínio vizinho. Demorou um tanto para eu perceber que não eram minúsculos
coquinhos e sim cocô de lagarta. Elas iam devorando as folhas lá em cima e
descomendo bolinhas marrons no meu quintal. O bom é que não suja. Nos dois
últimos anos, elas, ainda pequenas, aparecem do nada e em bando, e ficam
fazendo uma dança. Esse ano foi na borda de um balde. Deve ser a dança da
engorda, porque depois dessa dança, elas vão comer folha até não aguentar mais.
Ficam grandinhas e rechonchudas e desabam lá das palmeiras em queda livre de
mais de 4 metros, não raramente, no chão do meu quintal. Póf! É o que se escuta.
Após a queda, elas parecem desmaiadas, mas logo depois, já começam a reagir à
minha tentativa de pegá-las.
Aí sempre me lembro do dia, lá na infância, em que decidi
descobrir a cara da borboleta que saia de um certo casulo. Depois que eu achava
um deles, passava a visitá-lo todos os dias. O triste era que sempre tinha um dia
em que eu chegava, e lá estava só a casquinha. Nem sombra de seu passageiro.
Até que uma tarde, eu tive a fantástica, maravilhosa, linda, infalível ideia de
levar o casulo para casa e colocá-lo dentro de uma caixa de fósforos. Todos os
dias eu abria, cuidadosamente, a caixinha e verificava meu experimento. Como na
sequência natural, houve o dia em que eu achei a casca do casulo e uma
borboleta. Amarelinha, linda e livre, não fosse um grave problema ortopédico.
Se é que se pode usar ortopédico para animais que têm exoesqueleto. É,
dimensionei mal o espaço que seria necessário para aquela imensa transformação acontecer.
A pobre borboleta amarelinha ficou com as asas dobradas na metade. Eu me senti
mal, muito mal. Mas não o suficiente para nunca mais querer interferir na
natureza.
Desse experimento, deduzi o seguinte:
1.
Borboletas, realmente, saem de casulos;
2.
De casulos verde-limão sairão borboletas
amarelas;
3.
Caixas de fósforos não são equipamentos
adequados para o desabrochar das borboletas (não daquele tamanho);
4.
As asas devem nascer moles, mas depois que
endurecem, não mudam mais de forma.
5.
Borboletas de asas dobradas não voam.
O que eu não observei nesse experimento, e que teria sido
decisivo para minha intervenção mais recente ser bem sucedida, é que quando
elas saem do casulo, é liberado um líquido, meio rosa, meio vermelho fraco, que
pra mim é bem fácil associar a sangue. Então, pra nascer, borboleta também
sangra. Metáfora. Essa observação só fiz agora, porque ontem percebi que mais
uma vez eu tinha chegado tarde. Lá estava o casulo vazio e aquele líquido. Do
passageiro, nem sombra! Ao lado, um casulo escurecido e vivo e outros dois que
pareciam não ter encontrado o caminho da saída. Estariam para sempre presos no
labirinto do Minotauro. Quando desistem da transformação, viram líquido e fogem
do labirinto através de uma espuma aterrorizante. Pois é, o que eu também não
deduzi do meu primeiro experimento é que nem sempre o processo chega ao final
esperado.
Daqueles 7 casulos identificados, apenas um levou a cabo
o desafio e escapuliu de mim sem deixar pistas. A história se repete. Ainda há
3, que na minha opinião de estudiosa de casulos, se perderam no labirinto e vão
devolver seus átomos para natureza sem que eles tenham voado uma única vez. Outro
viajante, aquele que identifiquei como vivo, até encontrou o fio de Ariadne,
mas na saída, esbarrou naquele líquido vital e molhou suas asas, impossibilitando
a vida. Seus átomos voltaram para a natureza como comida de formigas, centenas
delas. Enquanto eu via aquela borboleta deformada se debater sob uma camada
fervilhante de formigas famintas, minhas formigas da culpa me comiam por dentro.
Eu também me debatia sob a culpa de ter tirado aquele casulo do lugar e a
dúvida de que se eu não tivesse feito isso ela teria sobrevivido. Nunca
saberei. Mas da próxima vez, darei um jeito de deixar o casulo pendurado para
que ela não se mole no próprio sangue.
Como se pode perceber, não desisti de intervir na
natureza. Observá-la e acompanhar suas transformações faz parte de minhas
paixões. Ainda que para isso eu tenha atitudes que me façam me sentir cruel. É
o preço da curiosidade. Um remédio para essa culpa é me sentir parte da
natureza, como a chuva forte, capaz de derrubar um casulo, ou um animal
qualquer que devora o labirinto para matar sua fome. Afinal, só nós humanos é
que temos a mania de driblar a seleção natural e nem sempre nos reproduzimos
entre os mais forte, mais belos, mais aptos. Só nós humanos insistimos em
querer que todos os filhotes sobrevivam, que todas as doenças sejam curadas e
que não morram aqueles que amamos. Insistimos em querer reter em nós o barro
que nos foi emprestado por Nanã. Muito bem. Culpa aliviada, curiosidade alimentada,
passo às anotações do segundo experimento, que serão importantes para as ações
futuras:
1) Nem todos os casulos desabrocham em borboletas
(aliás, a maioria não desabrocha);
2) Borboletas
sangram ao desabrochar;
3) Casulos
ficam pendurados e isso evita que as asas se molhem;
4) Borboletas
de asas molhadas também não voam;
5) E
última, quem nasce com asas e não voa, morre. E isso vale até para os humanos.
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