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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Uma ideia toda azul


            Hoje aqui chove. Aliás, chove desde semana passada. Mesmo assim, o dia está encantado e lindamente cinzento. Cinza que puxa pro azul. Pois é. Azul. Hoje aqui está mais uma das Histórias que vou cantando por aí. Mas para essa, diferente das outras que já contei, não encontrei minhas próprias palavras. Resisti, procurei, escarafunchei meu baú de letras e nada. As palavras se escondiam de mim, como se se recusassem a contar essa história. Pois bem, rendi-me. Compartilho com vocês, literalmente, uma, se não a mais, linda história que já me encontrou nos últimos tempos. Ela está no livro, de mesmo nome, da escritora Marina Colasanti, que roubei do meu sobrinho, o Lucas. As fotos são das ilustrações, também da autora. 
E você o que faria se encontrasse uma ideia toda azul? Boas ideias!

Uma ideia toda azul

            Um dia o Rei teve uma ideia.
Era a primeira da vida toda, e tão maravilhado ficou com aquela ideia azul, que não quis saber de contar aos ministros. Desceu com ela para o jardim, correu com ela nos gramados, brincou com ela de esconder entre outros pensamentos, encontrando-a sempre com igual alegria, linda ideia dele toda azul.
            Brincaram até o Rei adormecer encostado numa árvore.
            Foi acordar tateando a coroa e procurando a ideia, para perceber o perigo. Sozinha no seu sono, solta e tão bonita, a ideia poderia ter chamado a atenção de alguém. Bastaria esse alguém pegá-la e levar. É tão fácil roubar uma ideia. Quem jamais saberia que já tinha dono?
            Com a ideia escondida embaixo do manto, o Rei voltou para o castelo. Esperou a noite. Quando todos os olhos se fecharam, saiu dos seus aposentos, atravessou salões, desceu escadas, subiu degraus, até chegar ao Corredor das Salas do Tempo.
            Portas fechadas, e o silêncio.
            Que sala escolher?
            Diante de cada porta o Rei parava, pensava, e seguia adiante. Até chegar à Sala do Sono.
            Abriu. Na sala acolchoada os pés do Rei afundavam até o tornozelo, o olhar se embaraçava em gazes, cortinas e véus pendurados como teias. Sala de quase escuro, sempre igual. O Rei deitou a ideia adormecida na cama de marfim, baixou o cortinado, saiu e trancou a porta.
            A chave prendeu no pescoço em grossa corrente. E nunca mais mexeu nela.
            O tempo correu seus anos. Ideias o Rei não teve mais, nem sentiu falta, tão ocupado estava em governar. Envelhecia sem perceber, diante dos educados espelhos reais que mentiam a verdade. Apenas, sentia-se mais triste e mais só, sem que nunca mais tivesse tido vontade de brincar nos jardins.
            Só os ministros viam a velhice do Rei. Quando a cabeça ficou toda branca, disseram-lhe que já podia descansar, e o libertaram do manto.
            Posta a coroa sobre a almofada, o Rei logo levou a mão à corrente.
            — Ninguém mais se ocupa de mim — dizia atravessando salões e descendo escadas a caminho das Salas do Tempo — ninguém mais me olha. Agora posso buscar minha ideia e guardá-la só para mim.
            Abriu a porta, levantou o cortinado.
            Na cama de marfim, a ideia dormia azul como naquele dia.
            Como naquele dia, jovem, tão jovem, uma ideia menina. E linda. Mas o Rei não era mais Rei daquele dia. Entre ele e a ideia estava todo o tempo passado lá fora, o tempo todo parado na Sala do Sono. Seus olhos não viam na ideia a mesma graça. Brincar não queria, nem rir. Que fazer com ela? Nunca mais saberiam estar juntos como naquele dia.
            Sentado na beira da cama o Rei chorou suas duas últimas lágrimas, as que tinha guardado para a maior tristeza.
            Depois baixou o cortinado, e deixando a ideia adormecida, fechou para sempre a porta.


4 comentários:

  1. Karê,

    Vou fazer um comentário "Real". A idéia que me passou o texto é que não devemos deixar para amanhã o que podemos fazer hoje, além de que egoísmo não leva a nada. E se esta história tivesse trilha musical seria certamente um BLUES! No começo até o meio os blues divertidos dos reis B.B.KING ou então o Albert KING. E também caberia um pouco de jazz do Nath KING Cole. Só que no fim, vai de blues do nosso Rei Azul Roberto Carlos, com a idéia azul, ainda menina, cantando "Eu não posso mais ficar aqui á esperar, que um dia você volte, para mim..."

    Beijo,

    Mauzinho

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  2. Oi Mauzinho, obrigada por mais um comentário bacana!! É isso aí, nada de deixar ideias dormindo.
    beijo,
    Kare

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  3. Depois de ler este belo texto tive uma ideia... azul e tranquilamente linda! A ideia é retransmitir este texto para que outras possoas possam desfrutar de uma bela história.

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  4. Que ótimo, meu amor!! Adorarei se você divulgar o Balaio através desse texto. Beijos mil.

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