Olá queridas e queridos. Tudo bem com vocês? Esta semana apresento mais uma Crônica de Balaio, que colhi nas minhas memórias infantis. Essa é parte da história dos Martins. Ah... os Martins! O que se pode esperar da mistura de férias, praia, um bando de crianças e o infinito do tempo? Aproveitem.
Sobre tempos, crianças e ovelhas
A casa da tia
Mazé virava um verdadeiro hotel, quando nas férias, nos encontrávamos todos lá.
Nós vínhamos de Russas, outros de Mossoró e mesmo quem morava em Fortaleza
quase se mudava para a casa dela durante as férias. Aliás, isso dava pano para
manga. Era tanta reclamação enfezadas, que ninguém queira saber! Faz tanto
tempo... O programa mais legal era quando nos juntávamos para ir à praia. Quase
uma romaria.
Sempre saíamos
cedo, ou melhor, tentávamos. Mas era tanto menino para comer, para arrumar,
para pentear, que nós sempre atrasávamos. Meu pai ficava no portão, reclamando
do atraso da gente. Claro, ele só tinha que cuidar dele mesmo, assim era fácil.
Finalmente saíamos. Era aquele bando caminhando pelas calçadas. Caminhávamos meio
quarteirão e dobrávamos à esquerda, mais um quarteirão e depois à direita. Aí
era só atravessar a rua e dar alguns passos à esquerda. Estávamos no ponto de
ônibus. Naquele horário, o ônibus não demorava muito, nem era tão cheio. Alí
vinha ele, Parangaba/Praia do Futuro.
Para
embarcarmos era uma algazarra. Primeiro um adulto ou um dos primos maiores,
depois a renca de meninos e por último meu pai. Ele contava quantos éramos ao
sair de casa, ao subir e decer do ônibus e ao chegar na praia. Na volta, era a
mesma coisa, só que ao contrário. Sempre gostei de viajar, nem que fosse até
alí. Ainda mais nas férias, cidade grande, muitas placas para ler, números,
enfim. Depois de chaqualhar quase uma hora, grudada na janela, chegamos. Parece
que quando se é criança uma hora dura mais. De fato, para quem viveu 1 ano, uma
hora representa 0,01% da vida. Para quem viveu 10, dez vezes menos: 0,001%. A
cada hora envelhecemos e cada hora vai representando cada vez mesmo em nossa
vida. Matemática besta, essa. Mas aquelas... aquelas eram horas felizes em que
meus pensamentos se sentiam livres e vagavam.
Acordei do
transe com o ônibus parado e meu primo me chamando quase bravo.
- Da próxima vez tu fica,
viu?
Decemos
contadinhos. Entre nós e a beira da praia havia ainda alguns metros de areia
branca e solta. Corremos. Criança é como um rebanho de ovelhas. Se um se desvia
do rumo, todos vão atrás. Se um despara na carreira, o que está logo atrás,
também corre, o seguinte também e assim por diante até estarem todos correndo
na direção sabe Deus de quê. Enquanto meu pai e os primos mais velhos ainda
estavam próximos da parada do ônibus, nós já tínhamos escolhido a barraca onde
ficaríamos e lá começávamos a deixar as roupas, chinelas e brinquedos. Sem
qualquer preocupação. Inclusive com filtro solar.
Enquanto corríamos,
eu não parava de pensar na ameaça do meu primo: “da próxima vez tu fica”.
Aquilo me fez lembrar uma história que minha mãe contou, de quando eu era
pequena. Estávamos saindo do mercantil, naquela época se chamava assim, quando
eu entrei, sem ela, num táxi. Depois de mim, duas moças entraram e o taxista
pensou que eu fosse filha de uma delas. Como eu já estava lá, elas pensaram que
fosse filha do taxista. Estranho, mas foi isso que elas disseram. Minha mãe
saiu correndo feito louca atrás do carro, grávida de gêmeos. Dá para imaginar a
cena de desespero, não é? Felizmente, o táxi parou e ela me pegou. Ali na praia
pensei: “deve ser fácil perder uma criança”.
Finalmente os
adultos chegaram. Nós os maiores dos menores, tínhamos agora a permissão para
brincarmos na água. Já os menores dos menores tinham que esperar que um dos
adultos fosse com eles, enquanto alguém ficava na barraca olhando as carteiras,
as chinelas, os brinquedos, etc. O mar estava calmo e a maré que baixava,
deixava aparentes os buracos na areia. Aí se formavam piscininhas que logo eram
ocupadas por seus imperadores. Cada um pegava a sua, mas sempre dava briga. Aqui,
uma diferença entre um bando de ovelhas e um bando de crianças. Ovelhas não
brigam daquele jeito. Enfim. Entre o mar e a barraca, entre um mergulho e
outro, entre uma corrida e uma partida de futebol o tempo ia passando. Claro
que, como já se sabe, para cada um de um jeito.
Estávamos no
mar quando vimos o Marcelo correr em nossa direção. Pela cara dele não parecia
que vinha para mergulhar. De fato.
- Vocês viram o Felipe?
- Vimos.
- Onde?
- Ah, faz tempo.
- Ele não estava aqui com
vocês?
- Não, depois do picolé
nós viemos para cá e ele ficou na barraca. Por quê?
- Porque a Artemis
procurou por ele e não achou. Nós vamos sair para procurar e vocês fiquem aqui
bem quietinhos!
Aquilo que era só alegria transformou-se em aperreio e
preocupação. Eu queria sair procurando pelo Felipe e já sonhava em ser a
heroína do dia, porque claro, eu o encontraria. Mas não saí do lugar e fiquei
ali sem querer me divertir, mas sem poder fazer nada além de arquitetar planos
mirabolantes de como o Felipe havia se perdido e de como o encontrariam. Desde
pequena sou sequestrada pelos meus pensamentos. Novamente, me veio à alma a
lembrança do episódio do táxi. Senti um arrepio na coluna e pela primeira vez me
dei conta de que aquilo tinha acontecido mesmo comigo e agora era o Felipe. Mas
se eu tive uma chance, ele também teria.
O grupo se
dividiu para procurar o fujão. Mas quem disse que ele tinha fugido? Ele devia
ter saído caminhando, ou mesmo brincando. No mar, a gente vai se deslocando
para lá ou para cá e na hora que sai da água a barraca onde estão os adultos
ficou um pouco ou para esquerda ou para a direita. A gente tem sempre que
procurar. Mas aquele era o primeiro dia das férias em que tínhamos ido à praia.
Era tudo muito novo para todos nós, mas principalmente para o Felipe, que não
devia ter mais que quatro ou cinco aninhos.
Bom, como
tínhamos que ficar por perto, um dos meus irmãos resolveu procurar pelo Felipe
ali mesmo. Ele mergulhava de olhos abertos e quando tirava a cabeça da água
gritava: Felipe! Mergulhava de olhos abertos e quando tirava a cabeça da água
gritava: Felipe! Aquilo foi ficando tão engraçado que em um minuto já estávamos
todos mergulhando e gritando: Felipe! A essa altura eu já tinha pago o resgate
aos meus pensamentos e podia brincar em paz. Felizmente não demorou muito e lá
longe, com seu calçãozinho xadrez, de mão dada com o Marcelo e para o nosso
alívio, voltava o Felipe. Vermelho como
um camarão cozido. É, não tínhamos mesmo preocupações com filtro solar. Tudo
virou algazarra de novo e meu irmão logo ensinou a ele como procurar um primo
perdido em baixo d’água. No final do dia, estávamos com os olhos que pereciam
tochas de tão vermelhos. E o tempo, bem, o tempo, já sabemos: passa para cada
um de um jeito e em cada um deixa marcas próprias. As minhas, por exemplo, são
constelações de sardas espalhadas por todo meu corpo. Memórias de férias sem
filtro solar.
Gostei muito. Parecem minhas lembranças de férias em Fortaleza... Mas nós não nos perdíamos, uma vez e outra caíamos em um buraco e quase nos afogando, um tio ou primo salvava. E haja água salgada pra beber... Muito bom seu texto!
ResponderExcluirMuito obrigada. É sempre bacan conversar com as experiências do outro. Muito obrigada, também pela visita.
ExcluirKarê,
ResponderExcluirVeja que interessante: O seu passado na Praia do Futuro! Parece até filme né? Foi uma crônica gostosa como toda a infância deve ser!
bj,
Mauzinho
Meu Passado na Praia do Futuro... Meu Passado na Praia do Futuro... Meu Passado na Praia do Futuro... Meu Passado na Praia do Futuro... Se repetir mais vira mantra, né? Um beijo e obrigada pelas visitas constantes.
ExcluirAdorei, karê! Quantas lembranças maravilhosas! beijos
ResponderExcluirNadir
Obrigada, Ná. Adoro suas visitas. Passe sempre.
ExcluirUm beijo.