Boa noite querida leitora, querido leitor! Aqui está mais uma Crônica de Balaio para inspirar o risco de bons encontros. Boa leitura!
E eu que achava que já tinha
aprendido a dizer não. Também, o Alê foi tão insistente, tão insistente e eu
estava me sentindo tão sozinha, tão sozinha, que aceitei. Mas isso foi antes.
Ontem, já não me sentia tão sozinha, só não tinha mais jeito. Impossível
recusar. Será? Uma saída seria inventar uma mentira bem convincente. Não, não.
Dei tantas desculpas sem consegui recusar, que qualquer argumento que usasse
agora, estamparia na cara que era arrependimento. O Alê, com certeza, iria se
chatear. É, e nessa fase de me sentir mais ou menos sozinha, ele tem sido tão
presente, que é até ingratidão, não ir. Puxa vida, mas um jantar com ele, o
namorado e a mãe!? Tudo bem, tudo bem. Esse não será o primeiro nem o último
programa de índio de que vou participar. O pior é que não podia nem acreditar
que tudo vale a pena quando a alma não é pequena, porque a minha esta mesmo bem
pequenininha. Bom, o jeito foi me arrumar.
Toquei a campainha,
depois de me anunciar na portaria, e quase não tive que esperar.
— Boa noite minha filha, entre. Meu nome é Mirtes. O seu, como é
mesmo?
— Karenina, Anna Karenina.
— É verdade, o Alê me disse, mas sabe como é né? Nessa idade a gente
já não se lembra mais dessas coisinhas. Vamos chegando. ‒ Entrei no apartamento
com aquele sorrisinho amarelo na cara e na cabeça o pensamento que só
confirmava o desejo de não estar ali. Cumprimentei o Alê e o Bruno, que
terminavam os últimos preparativos na cozinha e logo me ofereci pra fazer uma
caipirinha.
— Caipirinha? Alessandro, meu filho, amigo que não sabe beber, não é
de confiança. Além do mais, nem pensem em fazer caipirinha com a cachaça que eu
trouxe. Seria um sacrilégio!! Não, não e não!
Isso é que é saber
dizer não. Bem que eu podia aproveitar a convivência e aprender essa tarefa de
uma vez por todas, nessa noite. Aí eu diria assim: gente, boa noite. Obrigada
pelo convite, mas eu não quero estar aqui. Vou indo, tá? “É, e se isso
acontecesse não seria você a convidada, meu bem. Não é verdade? Então relaxa,
toma uma cachaça, que você gosta, e viaja na conversa com essa senhora
excêntrica.” Ali, ou eu ia embora e estragava a noite de todo mundo, menos da
dona Mirtes; ou eu ficava emburrada e estragava a noite de todo mundo, menos da
dona Mirtes, ou relaxava e fazia o que eu gosto muito, conversar com quem tem
histórias pra contar. E a dona Astró devia ter muitas.
Sem que eu tivesse
chance de esboçar qualquer reação à sua fala, lá estava ela com um copinho de
cachaça na mão. Parei aqueles dois segundo cruciais e aceitei. Senti o cheiro
agradável de uma boa cachaça, apreciei o copo de bambu, que na minha impressão
deixa o sabor mais suave e degustei o primeiro gole como quem faz uma prece,
pedindo a bênção de uma noite gostosa.
Deliciosa. A cachaça era simplesmente
deliciosa. Dona Astró logo me chamou para sentarmos na sala, ao lado da janela.
Na mesinha de centro estava a mina daquele ouro. Uns beliscos, pães e flores
compunham aquele pequeno retângulo, cuidadosamente arrumado. Depois de mais um
gole, dona Astró foi logo me avisando para não chamá-la de senhora, sob pena de
maldição. Dei risada e levantamos mais um brinde. Foi aí que resolvi iniciar
uma conversa e perguntei se a viagem tinha sido boa. Perguntei pelos outros
filhos, pelos netos. Ela foi respondendo essas e as perguntas não feitas.
Contou sobre a vida nos campos do Rio Grande, sobre as dificuldades e de como
ela gosta de ter luz, máquina de lavar roupa, liquidificador e poder comprar
café torrado e moído na mercearia da esquina.
— Não minha filha, o campo é bonito, mas a vida lá dura. Não é só de
chimarrão e cavalgada, que se vivi lá, não.
— E quando o Alê veio pra cá, a senhora...
— Senhora é sua mãe!
— Me desculpe, é o costume. Mas e aí, sentiu muitas saudades dele?
Nesse momento os
meninos sentaram conosco. Completamos os copinhos com aquela maravilha e
fizemos mais um brinde. Enquanto a cachaça ainda descia macia por nossas
gargantas, a Astró já balançava a cabeça positivamente, respondendo à minha
pergunta anterior.
— Claro que senti. Eu amo muito esse meu filho. Mas eu sabia que ele
precisava sair dali. Ele precisava. O bom é que agora eu vivo passeando pra lá
e pra cá. Até me lembra o tempo do circo.
— Circo, Astró?
— Eu não te falei Kare, que a mamãe viajava com um circo antes de se
apaixonar pelo velho? Astró é nome artístico. O dela é...
— Você não tá nem doido de me lembrar desse nome. Horrível!
— Ela era a mulher do mágico, Kare.
— E ele era bonitão e gostava de mim. Não sei que invenção foi aquela
minha de me apaixonar pelo bronco do teu pai. Mas eu sei. Ele tinha um olhar de
arrasar quarteirão. Quando botou aqueles olhos em mim, eu me derreti.
— Os olhos, mamãe? Eu sei... Os olhos é a metáfora, não é não?
— Ha, ha, ha ‒ ela deu uma gargalhada contagiante ‒ Metáfora? Eu
adorava aqueles olhos metafóricos. Mas bom mesmo eram os assuntos
metadêntricos! ‒ aí a risada foi geral.
— E a senhora, quer dizer, tu ainda sabe fazer mágica?
— Ah não, Kare, por que é que tu foi falar nisso? Agora ela vai passar
a noite fazendo mágica e contando história de circo.
— Ô menino chato! Se a visita quer ver uma magicazinha, qual é o
problema? Sei sim, minha filha.
Ali começou a noite
de verdade. O jantar virou apenas a metáfora de um encontro que, pelo visto,
seria muito interessante. E minha alma, que tinha chegado pequena e mirradinha,
até parecia ter ganhado peso. Vai ver que já era mágica de circo!
Adorei o jantar, a crônica é saborosa...
ResponderExcluirbeijos
bel
Muito mágica a sua crônica! Adorei. bjs
ResponderExcluirAi, meninas... muito obrigada por ler meus textos e ainda se dedicar a fazer comentários tão estimulantes. Beijos, queridas!
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