Hoje o dia esteve lindo, lá fora. Mas aqui dentro só as sombras e as ausências me fizeram companhia. Escrever é sempre um jeito de exorcizar meus demônios. E você, como exorciza os seus?
Na
taça, o amarelo do vinho cintila diante do amarelo da parede e me deixa ver um
inseto imerso naquele mar. Afogado a alguns milímetros da superfície. Isso foi
ontem. Isso é ao mesmo tempo presente e passado. Mas ninguém bebe hoje o vinho
servido ontem. O que se bebe no hoje, então? E que passados e futuros são esses
tão inatingíveis, tão inexplicáveis. É... o tempo é mesmo um labirinto. E o que
dizer da vida? Essa aposta que joga com suas peças de fenômenos organizados no tabuleiro
do tempo pelo espaço. Sim organizados, embora não se saiba muito bem por quem
nem como, mas que se repetem ritmicamente, na medida em que não são mais os
mesmos. Fenômenos que se repetem e a cada vez com sutis mudanças que vão dando
o tom do que chamamos envelhecimento. Vida, tempo, envelhecimento ........................................................................
Hoje
o que me atormenta são os atalhos que ora pegamos e que abreviam nossa
existência. Alguns voluntariamente usando um revólver ou uma corda cortam
caminho nesse tabuleiro de tempo e espaço e se vão. Desorganizados. Nos
deixando também um pouco mortos. Mortos e conscientes da brevidade, da
sutileza, da fugacidade que é uma vida, da fragilidade que corre em nossas
veias e que organiza aqueles fenômenos, tão facilmente perturbados. Mas e quem
vai sem querer ir? Quem vai sabendo o atalho que é obrigado a tomar, mas que se
recusa, luta, resiste? Por que não agraciá-los com mais alguns fenômenos
organizados no tempo e no espaço, com mais algumas reações metabólica, alguns
ciclos cardíacos, com um tempo a mais de vida? Pode ser aquele que sobrou do
prazo de quem foi antes. Sobra? Nesse jogo não há sobras, ninguém termina com
cartas na mão. Pois bem, e o que define a hora? Quem? Se não há o Destino e seu
enorme livro onde estão escritas nossas histórias, ao bel prazer de quem, foram
lançadas estas cartas e qual é a regra desse jogo?
Muitas
perguntas num texto irritado e sem ar. Inútil, a tarefa de respondê-las. Resta
não compreendê-las. É perturbador pensar que minha vida pode ser como a daquele
mosquito, que tendo pousado na minha taça para beber, tenha se embriagado e se
afogado, ou ainda numa manobra de voo infeliz, tenha aterrissado no vinho,
quando esperava apenas matar a sede e manter seus fenômenos organizados. É até
poético morrer afogado na água da vida. Realmente, um copo de vinho pode ser
uma armadilha de desorganização. Outra pode estar ali na esquina ou aqui, em
frente a minha casa. Nunca saberemos quando nossos fenômenos vitais serão
desorganizados de uma vez por todas. Pois pronto, já que é assim vamos passear
na floresta, enquanto seu lobo não vem, saboreando, sempre que possível, belos
goles de água da vida! Saúde!
Adorei...
ResponderExcluirQue bom, saber de sua visita. Venha sempre!
ExcluirVivo o presente, sem me preocupar com o último suspiro. Bem que gostaria que fosse nas mesmas condições do personagem principal desta sua bem "divagante" crônica: saboreando uma taça com tinto, ou branco, ou rosado (no bom português)...
ResponderExcluirMinha "matéria prima" principal, é o passado, fatos e homens...Um dia farei parte dela... Que importa, é a lei da vida: inicio e fim, é a História! É necessário preservá-la, para mantê-la viva.
Um abraço, Kare.
Pois pronto, a primeira vez que nos encontrarmos brindaremos a essa existência inexorável do tempo e à convivência do passado, presente e futuro. Saúde, querida!
ExcluirÀs vezes, me permito pensar nesse "detalhe" que é o fim da vida... Mas aí, bate uma angústia de não ter feito ainda tudo o que pretendo... Então, afasto o pensamento e sigo, simplesmente vivendo, amando, sofrendo, sorrindo e aprendendo... Tudo ao mesmo tempo. Adoro o seu jeito de definir as coisas!
ResponderExcluirTudo ao mesmo tempo e sem ensaio, né? E nessas a gente vai se reinventando, procurando ser quem queremos, ou quem somos. Eu sou feliz por ter na Biologia a primeira ponte entre nós. Quando brindaremos de novo?
Excluir"Mas e quem vai sem querer ir? Quem vai sabendo o atalho que é obrigado a tomar, mas que se recusa, luta, resiste?"
ResponderExcluirMuito melhor, pra mim, te descobrir como escritora talentosa, do que buscar desvendar o mistério 'dessas coisas' que tbm em mim causam tantas inquietações.
Obrigado,Ana, por permitir que eu me veja no teu desabafo!
Puxa vida, Toni! Você me emociona, me alegra, me toca. Muito obrigada, por me dizer que o que escrevo faz algum sentido na tua vida.
Excluirum beijo.