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domingo, 13 de maio de 2012

Jogos Cimarianos


            Hoje procurei entre meus textos, um que foi adequado à data que se comemora hoje: o dia das mães. O que mais fala sobre a dona Vilanir eu já publiquei aqui no Balaio, "No caldeirão da Vila". Mas aí, pensando bem, em muitos deles ela está presente, como nesse aqui. Aliás, sempre que eu falar de minha experiência de gente pequena, estarei falando dela e de meu pai. E dos meus irmãos também. Assim, dedico esse texto à dona Vila, minha amada mãe, como uma homenagem a todas vocês mulheres, que de algum modo, se reconhecem como mães. Esse texto ainda não decidiu se quer ser uma crônica ou um relato. Como no Balaio não temos etiquetinhas de relato, ele vai como mais uma Crônica de Balaio. Boa leitura!


 
           
            Em outubro do ano passado, os Jogos Cimarianos completaram 40 anos. Quarenta anos! De 71 a 2011 essas competições vêm fazendo história na Unidade Educacional Coração Imaculado de Maria. Para os íntimos ou ex-alunos: UNECIM. Daí o adjetivo Cimarianos. Comecei a estudar na UNECIM em 78, no Jardim II, e com essa turma fui até a oitava série do primeiro grau. Juntos, aprendemos a ler e escrever, a falar e nos expressar, a pensar, a pintar e jogar bolas: de ping-pong, futebol, voleibol, hand. Envelhecemos juntos a maior parte das nossas infâncias. Crescemos ali, palmo a palmo. Um na carteira da frente, outro na carteira do lado. Ora prestando atenção nas aulas, ora prestando atenção nas meninas, ora nos meninos, tão feinhos ano passado, mas esse ano tão lindos! Crescemos. Pelos, peitos, pernas, pomos. Adões e Evas. E de ano em ano exibíamos nossas aptidões ou inaptidões nos Jogos Cimarianos. Houve um ano em que eu competi pela minha turma em tudo que era possível: futebol, basquete, vôlei, até salto em altura! Naquele ano, eu até ganhei uma medalha de goleira revelação. Foi no hand. Eu estava tão bem que meu professor de Educação Física veio conversar comigo no meio jogo para elogiar meu desempenho. Bem nessa hora o time adversário fez um gol. Também, pudera, não é?
            Mas os Jogos Cimarianos não trazem lembranças só das competições. O que mais salta à memória era os uniformes. Todo ano era um calçãozinho King, uma camiseta Hering e o velho e bom Kichute, que nos acompanhava o ano inteiro. Cada turma com o calção da sua cor. Aí à medida que crescíamos passávamos por todas as cores. Verde, amarelo, azul, vermelho, vinho, preto. Era bonito ver, no desfile de abertura dos jogos, aquela ruma de menino, tudo organizadinho por cores. E mais, tinha a eleição da Rainha dos Jogos. Era sim. Cada turma elegia, por voto direto e secreto, sua rainha, que desfilava na frente dos súditos com a bandeira da sala, no dia da abertura. A Rainha era sempre a menina mais bonita. Na minha turma, era a Mara. Vários anos durou o seu reinado, até que na terceira série, no ano do vinho, digo melhor, da cor vinho nos calções King, eu fui eleita a Rainha dos jogos. Parece que estou vendo a Norma, na época tia Norma, lendo o resultado das eleições e computando os votos na lousa. Deu para sentir uma pontinha de satisfação no seu rosto com o resultado. “Ei, espera lá! Agora me acorreu uma tragédia! E se a Norma tiver manipulado o resultado das eleições só pra me favorecer? Ela jamais faria isso! E se ela tiver feito? E se ela tiver achado que era bom dar o título a outra menina, ainda que injusto com a Mara? Mas, será? Não quero nem descobrir.”
            Crises à parte, o mais legal era que Rainha, não desfilava de calção, não. Era de saia. Uma sainha envelope, de tergal na cor dos calções dos súditos, e viés branco. Minha mãe que fez. Ah, também tinha a faixa e a simpatia de Rainha. Acho que nunca, em momento algum da história dos Jogos Ciamarianos, houve uma Rainha tão séria quanto eu. Olhando as fotos daquele dia parecia que eu estava carregando uma cruz e não uma faixa de rainha. Devo ter sentido muita vergonha. Sim, porque eu realmente queria que me achassem mais bonita que a Mara, pelo menos uma vez na vida, mas daí a ter que desfilar, eram outros quinhentos.  Perdi a única chance até hoje de dar uma ordem real: Mara Denise, desfile com a faixa de Rainha do Terceiro Ano. Que saudade... saudade dos jogos, do colégio, dos colegas. Esses eram umas figuras.
            Houve uma série em que na lista de chamada estavam presentes não menos que: Anna Karenina, Cláudio César, Leila Diniz e Márcia de Windsor. Que turma! E os pais também davam sua contribuição direta ao tema excentricidade. O meio de transporte preferido eram as bicicletas. Quem não ia e voltava de bicicleta era levado e buscado na garupa de uma. Na entrada ou na saída era aquela exposição. E a mais excepcional de todas era a do pai do Cláudio César. Era uma Monark comum, não fosse o guidão ter sido substituído por uma direção branca de Kombi. Dá para imaginar? Também dá para imaginar que todos nós morríamos de vontade de andar naquela bicicleta, não é?
            Enquanto o pai não chegava, a figura magrinha do Cláudio ficava esperando ali, pertinho da Marlene, nossa bedel. Era ela que conferia as meias brancas, os sapatos pretos, a limpeza das fardas. Era aquele ser humano pequeno na estatura e enorme no cuidado com a gente, que abria e fechava o portão todos os dias de aula. Às vezes brava e severa, mas um amor com quem não precisava desafiá-la. Outra figura icônica da UNECIM daqueles tempos era a Geralda. Sisuda e longilínea, ela caminhava pelos corredores da escola resolvendo as pendengas da secretaria. Cabelo fino e liso, se bem me lembro à altura do ombro, e saia abaixo do joelho. Seria o trabalho dela muito duro? Muito chato? Seria sua vida difícil? Acho que a gente tinha medo dela.
            E os professores? Bom, esses merecem uma crônica cada um. No começo eram só professoras e uma única para o ano inteiro. A partir da quinta série, passávamos a ter vários, um para cada matéria. Lembro-me de que passar da quarta para a quinta série foi um rito dolorido. Não só porque eu não queria ter muitos professores, mas também porque eu adorava estudar de manhã. Não houve escolha, mas logo me adaptei. Adorei ter aulas de ciências com a tia Jura. É, naquela época, podíamos chamar de tia. Era divertido ouvi-la argumentar, cientificamente, que não era nada vantajoso tapar o nariz e respirar pela boca, quando o Paulo soltava um pum. O nariz era que tinha sido feito para os cheiros. Bons ou ruins. Também adorei as aulas de português com a irmã Margareth e a irmã da Graça.  Análise sintática, morfológica, interpretação de texto, redação. Ah, tinha o Gideon em Geografia. Ele valorizava tudo que nós sabíamos. Não tenho dúvida de que sou feita do que eles me ensinaram. Talvez mais do uma disciplina, eles me ensinaram o amor pelo entender, pelo saber, pela curiosidade, pelo conhecimento em si. Espero estar fazendo assim com meus alunos.
            De uns anos para cá tenho recebido notícias de algumas dessas figuras. Assim como os Jogos Cimarianos, estamos todos bem perto dos 40. Alguns já devem ter feito, outros como eu, completam esse ano; alguns ainda ano que vem. Mas todos muito próximos e ao mesmo tempo tão distantes. O que será que foram essas vidas até aqui? Às vezes sinto uma curiosidade enorme para saber o que a vida fez com cada um, ou melhor, o que cada um fez com a vida que lhe foi dada. Uns casados, outros só amando. Uns felizes, outros tentando. Uns com filhos, outros com os pais. Enfim, muitas vidas ao longo desses 40 anos dos Jogos Cimarianos! Mas será que a Norma manipulou mesmo o resultado? Eu não vou suportar.

6 comentários:

  1. Kare, você e seus eternos dilemas!!! "E se a Norma tiver manipulado o resultado das eleições só pra me favorecer? Ela jamais faria isso! E se ela tiver feito?" Se convença, mulher, de que você foi feita de um material especial e de que a forma foi jogada fora!!! Você é ma-ra-vi-lho-sa!!! Como pessoa, escritora, amiga, enfim: tudo! Show de bola esse texto! Adorei os detalhes com que descreveu tudo - dá pra ver as cenas mesmo sem ter a mínima idéia de onde é que fica o UNECIM! kkkkkkkkkkkkkk

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    1. Ha ha ha ha... Fazinha, sem dilema não sou eu!! Que bom que você gostou do texto. Já tava sentindo falta das suas visitas comentativas. Beijo com saudade.

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  2. Primeiro, fui ler O Encontro. Temos o Audifax em comum, só que o conheço de longa data (lá pelos 1960)...Vi seu comentário lá na Oficina do Audifax, na virtual, cliquei e cheguei naquela formidável crônica. Já me instalei, aí na sua galeria de seguidores, e vou voltar, Kare.
    Feliz de quem encontra este doce homem, e sua família,pela estrada na vida...

    Um abraço,
    da Lúcia

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    1. Querida Lúcia, muito obrigada pela sua visita e seu comentário. Você tem toda razão quanto ao Encontro que se vive quando se encontra o Audifax. Volte mesmo! Um abraço.

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  3. Paz e bem!

    Anna, conversando com o Cláudio César (hoje trabalhamos no mesmo local), sobre a histórica votação que a tornou rainha da turma, descobrimos o nosso voto um para o outro e, não teve jeito, votamos em você.

    E fomos muito bem representados, com ou sem sorrisos!

    Um abraço no coração!

    Ricardo Eugênio
    Russas -CE

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  4. Meus amores, que saudade!! Saber disso me deixa um pouco aliviada da minha dúvida, he he he he. Posso aperriar, vocês? Por que vocês organizam um encontro nosso aí em Russas, heim? Você tem contato com a Norma, tem notícias dela?
    milhões de beijos e abraços,
    Anna

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