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domingo, 1 de abril de 2012

Só dez por cento é mentira



            Olá minha gente. Para essa semana eu trago algumas preciosidades de Manoel de Barros. Eu conheci a poesia do Manoel muito tarde, quase ontem. Mas me apaixonei à primeira vista porque, para mim, a poesia do Manoel de Barros aumenta o mundo, multiplica as possibilidades e mistura as sensações. Começo com a Entrada que ele mesmo apresenta à edição de Poesia Completa, publicado em 2010 pela editora Leya. Depois vocês lerão uma seleção do que eu mais gosto, até onde conheço. Frases, fragmentos. O título dessa postagem é uma das frases do Manoel, se referindo a sua poesia, que também é o título do documentário de Pedro Cezar, que apresenta sua desbiografia oficial. Só para vocês terem uma ideia, foi no alge da 3ª infância, quando passava dos oitenta anos, que Manoel publica mais de 10 livros! Esse é o período mais fértil de sua carreira de ser inútil e é quando ganha vários prêmios. Aliás, Manoel de Barros é o autor brsileiro que mais vende poesia. Ele é o orgulho de qualquer gerontólogo! Desejo realmente que o Manoel aumente o seu mundo. Mais Poemas no Balaio!


ENTRADA
Distâncias somavam a gente para menos. Nossa morada estava tão perto do abandono que dava até para gente pegar nele. Eu conversava bobagens profundas com os sapos, com as águas e com as árvores. Meu avô abastecia a solidão. A natureza avançava nas minhas palavras tipo assim: O dia está frondoso de borboletas. No amanhecer o sol põe glórias no meu olho. O cinzento da tarde me empobrece. E o ria encosta as margens na minha voz. Essa fusão com a natureza tirava de mim a liberdade de pensar. Eu queria que as garças me sonhassem. Eu queria que as palavras me gorjeassem. Então comecei a fazer desenhos verbais de imagens. Me dei bem. Perdoem-me os leitores dessa entrada mas vou copiar de mim alguns desenhos verbais que fiz para este livro. Acho-os como os impossíveis verossímeis de nosso mestre Aristóteles. Dou quatro exemplos: 1) É nos louco que grassam luarais; 2) Eu queria crescer pra passarinho; 3) Sapo é um pedaço de chão que pula; 4) Poesia é a infância da língua. Sei que os meus desenhos verbais nada significam. Nada. Mas se o nada desaparecer a poesia acaba. Eu sei. Sobre o nada eu tenho profundidades.
Manoel de Barros


IDEIAS DESENHADAS NO DOCUMENTÁRIO

Há várias mandeiras sérias de não dizer nada
          mas só a poesia é verdade


Me procurei a vida inteira e não me achei
         - pelo que fui salvo 


Ontem choveu no futuro


De dentro de mim não saio nem pra pescar


O tempo só anda pra frente
A gente nasce cresce amadurece envelhece e morre
Pra não morrer tem que amarrar o tempo no poste.

Eis a ciência da poesia:
Amarrar o tempo no poste



POEMINHAS PESCADOS NUMA FALA DE JOÃO

I
O menino caiu dentro do rio, tibum,
ficou todo molhado de peixe...
A água dava rasinha de meu pé

II
João foi na casa do peixe
remou a canoa
depois, pan, caiu lá embaixo
na água. Afundou.
Tinha dois pato grande.
Jacaré comeu minha boca do lado de fora

VIII
Você viu um passarinho abrido naquela casa
que ele veio comer na minha mão?
Minha boca estava seca
igual do que uma pedra em cima do rio

IX
Vento?
Só subindo no alto da árvore
que a gente pega ele pelo rabo...



UMA DIDÁTICA DA INVENÇÃO

III
Repetir repetir — até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo.

X
Não tem altura o silêncio das pedras.

XIII
As coisas não querem mais ser vistas por pessoas
Razoáveis:
Elas desejam ser olhadas de azul —
Que nem uma criança que você olha de ave.

XV
Poesia é voar fora da asa.


 POEMA

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que
eu sei.
Meu fado é de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões coma realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as
insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.

Um comentário:

  1. Belos poemas. Este Manuel de Barros constrói poemas como um João-de-Barro constrói a sua casa.

    :-) Ao estilo Núbia.

    Mauzinho

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