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terça-feira, 17 de julho de 2012

No limite da inconveniência

Olá, como vai o dia? Esta semana, compartilho mais uma Crônica de Balaio. Tenho quase certeza que você também já passou por uma situação assim. Depois você me diz. Boa leitura, boas férias!
 


_ Ótimo. Combinado. Eu vou só tomar um banho rapidinho e já saio. Tem certeza que ela vai, Baby? Eu vou só para conhecer essa mulher. Preciso desse contato.
­_ Gata, tranquila. Eu já te disse, que ela é muito amiga do Carlos. Com certeza ela vai tá no aniversário dele. Além do mais, o Bruno já andou comentando sobre o seu projeto com o Cacá e ele ia contar para ela, só para sondar.
_ Ai Baby, estou até nervosa, de tanta ansiedade. Logo eu que nunca achei que fosse uma pessoa ansiosa. Ai meu Deus! Está bem, gatinho. Até daqui há pouco. Ei, espera! Como é mesmo o nome do bar?
_ Zé menino, amada, Zé menino. Beijo. Mas não vai chegar muito tarde, porque ela vai só dar uma passada por lá. Não demora heim! Até já.
_ Pode deixar. Não vou demorar. Beijo. Tchau.
            Uau! Aquela era minha chance de conhecer a Cristtine Mauer e sondar a possibilidade dela ilustrar uma história minha. Seria demais! É claro que eu nem sei se tenho grana para pagar. Mas como saber, sem perguntar? Eu estava encantada com o traço e a firmeza das formas. Na verdade eu tinha acabado de conhecer o trabalho de Cristtine numa exposição no SESC Pompéia e já não conseguia ver minha historinha sem suas ilustrações. Além das aquarelas e dos desenhos em preto e branco, do tipo que se põe o lápis no papel e só tira quando acaba, Cristtine também fazia poemas. Segundo as informações da exposição, seu portfólio carecia de ilustração de livros infantis e eu estava, absolutamente, disposta a colaborar com ela. Dei uma risada magnífica quando me peguei nadando nesse pensamento petulante. “Tá se achando, heim, Anninha! Tá se achando.” Aumentei o volume do som e caminhei para o banho jogando peças de roupa pelo caminho. “Ah, não... quem pode ser?” A campainha tocou insistente.
— Ô!! Que pressa é essa? Tá ficando doido, é? É nisso que dá morar em casa! Fábia? O que é tu tá...
— Onde você tava que demorou tanto? Menina não tem lugar nessa rua pra estacionar, né? Ô inferno! Ai, abri logo Kare, eu tô precisando desabafar.
— Puxa vida Fábia, mas olha, eu estou quase de saí... entra, vai...
— Cadê a cachaça? – Perguntou já a caminho da cozinha. Eu fiquei paralisada no meio da sala, totalmente sem ação. O jeito foi descongelar.
— Escuta aqui, num tô entendendo nada. Qual é, qual foi, por que é que tu tá nessa?
— Olha só, escreve o que vou dizer: nunca mais eu volto com o Marco Antônio! Nunca mais, ouviu? Nunca! Argh...também nunca mais bebo essas tuas cachaças. Aff, parece um gato unhando a garganta por dentro. N u, nun, c a, ca. Nunquinha. Ô troço horrível!
— Vem cá, que diabo é isso? Para um pouco e me explica.
— Kare, eu não agüento mais o Marco Antônio. Sabe qual foi última dele?
— Fabinha, infelizmente eu... – Eu a seguia atordoada e já estávamos de volta a sala.
— É Kare, infelizmente mesmo, mas dessa vez eu não posso deixar passar. Desculpa, eu estou muito nervosa, posso pegar água? Ai não, você pega pra mim? Menina você está precisando trocar esse sofá, heim? _ “Mas que folgada!!” _ Nossa, essa foto é da Sarah? Que grande que ela está! Amiga, senta aqui. Nem te conto.
— Fábia, não dá pra conversar contigo agora.
— Por que não? Você nunca me dá atenção. Não me liga, não responde e-mail, não me procura. Não sei por que eu ainda quero ser sua amiga. Você nem imagina o trânsito que eu peguei pra chegar aqui. Não, Kare, não aguento mais o Marco. Por que ele faz isso comigo?
— Fábia, eu já te disse tudo o que eu tinha pra te dizer sobre essa história. Não há novidade nenhuma e você já sabe a minha...
— Kare, eu sempre fiz tudo por ele! Como ele pôde fazer isso comigo? Como, me diz? Eu preciso me dar valor, é isso. Eu preciso ter orgulho próprio.
— Fábia...
— Fala, Anna Karenina, fala pra mim por que é que estou passando por isso? Eu não mereço isso. Eu que sempre...
            “Ah, merece...” Eu já nem mais ouvia a voz irritante da minha visita inconveniente de tão transtornada com aquela invasão extraterrestre na minha casa, daquele jeito e naquela hora. Não, não podia ser verdade. Aquilo não estava acontecendo. Não comigo, não naquele momento. Sem encontrar outra saída a não ser deixar a Fábia falando sozinha, levantei do sofá e avisei que precisava tomar banho. Que ela ficasse à vontade. Novamente me dirigi ao banheiro deixando aquela ladainha na sala. Não, não, a ladainha me seguiu e em uma atitude ainda mais invasiva, Fábia baixou a tampa do vaso sanitário e sentou de pernas cruzadas.
— Tome seu banho sossegada, não vou te incomodar.
            “E o que ela achava que está fazendo? É muita falta de noção!” Fiquei sem ação diante de tamanha inconveniência. Não consegui nem reclamar. Tomei o banho mais rápido da minha vida, tentando não escutar o que ela dizia. O pior é que a cada palavra ela demonstrava mais fragilidade. Eu sentia que a qualquer momento ela começaria a chorar e aí teríamos uma tragédia. Já sabemos, eu não conseguiria mandá-la embora e nem sair. Ainda bem que ela desviou a atenção para encontrar mais um defeito na minha casa.
— Anna Karenina, tu já mora aqui há 3 anos e ainda não colocou um box nesse banheiro? Francamente, amiga, pelo amor de Deus! Essa cortininha já deu o que tinha de dar, né?
— Você acha Fabinha? “Senti um alívio”.
            Mas assim que chegamos ao meu quarto, ela sentou-se na cama e abriu o berreiro no mesmo instante em que o telefone tocou. Com certeza era o Baby. Eu não sabia o que fazia primeiro: se reclamava porque ela tinha sentado no lençol da cama com a roupa da rua, se terminava de vestir a calça, ou se atendia o telefone. Optei pelas duas últimas alternativas simultaneamente.
— Alô.
— Gata, você não deveria já ter saído de casa? A noite está uma delícia e já estamos aqui.
— Baby, eu estou entre a cruz e a caldeirinha. Você não imagina quem chegou aqui.
— Não amada, não faço ideia de quem você terá que expulsar em um minuto. Seja quem for querida, trate de se livrar o mais rápido possível ou trazer junto. A Cristtine acaba de ligar para o Cacá dizendo que está vindo.
— Ai Baby, Deus me ajude. Preciso desligar. Tchau.
­            Terminei de me vestir aperreadíssima. Ora eu queria dar o mínimo de atenção à Fábia, ora eu queria quebrar o pescoço dela. Afinal, o que diabos ela tinha vindo fazer aqui, se nem somos tão amigas! Não é ela mesma que reclama?
— Fábia, olha só. Não, não. Quem vai me escutar é você, agora.
            Depois de contar a situação e a importância que tinha para mim aquele encontro, enxuguei suas últimas lágrimas e propus.
— Você pode ficar e dormir aqui e aí conversamos na volta, ou você pode vir comigo ao aniversário, embora eu saiba que você não está para muitos amigos, ou saímos juntas e conversamos outro dia. Que me diz?
— Ai que droga. Desculpa. Eu sei que estou sendo um estorvo e me odeio quando eu faço isso.
— Não exagera, vai, Fá.
— Deixa eu ver... eu estou mesmo precisando jogar conversa fora, e ficar sozinha numa sexta-feira a noite é de matar! Eu vou com você. Assim me distraio um pouco.
— Então vamos. Lava essa cara, dá um tapa na maquiagem e vamos que eu já estou atrasada. Vou chamando o taxi.
— Não, não. Não precisa. Eu estou com o carro do Marco.
— O que? Ainda bem que eu não te dou muita trela, Fábia. Ainda bem! Anda logo!
— Tô indo querida, tô indo. Não quero que você perca seu encontro por minha causa.

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