Depois de muitas semana sem novidades, o Balaio apresenta a crônica de uma mudança: Horizontes. Boa leitura.
Desde maio acompanhei a
reforma para que ficasse tudo do nosso jeito, meu e das minhas possibilidades,
ou seria da minha limitação financeira? Tanto faz. Tudo numa sequência pensada
e repetida por cada um que me prestava serviço. Primeiro você põe o gesso, que
pose vir com a colocação do piso frio. Depois, o piso de madeira, a primeira
demão de pintura, a montagem dos móveis e a pintura final. Ah, e antes de tudo
isso, as adequações das tomadas e interruptores. Sim, e adequações também da
minha ignorância completa de que um apartamento novo é entregue faltando muitos
ajustes. Finos e grossos. Tudo pronto e era a hora de mudar.
Contratei uma
transportadora, que me ajudaria também na arrumação. Mesmo assim, uns dois
meses antes comecei a arrumar caixas e mais caixas com os objetos mais
queridos: livros, máscaras e pequenos souvenires das viagens. E foi aí que a
mudança começou. A cada caixa fechada e identificada a casa passava a ser menos
minha. Era mesmo uma desfiguração. Comprei um rolo gigante de plástico bolha e
comecei a catar as caixas deixadas nas esquinas, pelos comerciantes do bairro,
nos dias de coleta de lixo. Arrumar meus livros, carinhosamente, nas caixas,
era divertido e acabava servindo para me desligar dos problemas da EACH. A
decisão mais demorada foi a de escolher uma das transportadoras. Feito isto,
estava tudo certo. Até já tinha conferido, uns dias antes, a faxina no ap novo.
E na segunda, antes da data marcada, liguei pra transportadora e confirmei a
contratação. Estava tudo no lugar. Ou quase tudo.
Uma amiga tinha me dito que
se eu precisasse ela dormiria lá em casa para me ajudar com as últimas tarefas
e estar comigo na hora da mudança. Só que ela não deu conta de terminar um
trabalho e me deixou na mão. Aí tive que decidir o que deixaria de limpar e de
arrumar na noite anterior e passar pro dia seguinte, mesmo. Não tinha outro
jeito. Enquanto eu tentava não me desorganizar por causa da ajuda que não
viria, o telefone tocou.
— Alô. Boa noite. Sim, é ela. Como vai? Tudo. Sim, está
tudo certo, mas conversei com vocês hoje à tarde. Como não? Qual é a sua
transportadora? Ahhh não querido, eu contratei a Horizonte. Não, não contratei
a de vocês, não. Como assim? Nãããão, o que você tem é um pedido de orçamento.
Não uma confirmação. Bem, então, foi bom você ligar para confirmar. Cancele,
por favor. Por que não? O senhor pode ligar para eles e desmarcar, certo? – a
conversa parecia surreal. Enquanto o moço de outra transportadora me dizia que
eu tinha contratado o serviço dele e que àquela altura do campeonato não era
possível desmarcar, porque os rapazes estavam em outra viagem e os telefones
estavam fora de área, e que aquilo teria um custo e blá, blá, blá, eu ia me
aperreando de um jeito... – Pois está bem, seu Joaquim. O senhor me manda os
e-mails em que eu contrato o serviço e se isso aconteceu eu arco com esse
custo, está bem? Boa noite.
Pensei
que não teria sono para gastar naquela noite e que poderia me dedicar à limpeza
e arrumação, só que não. Estava exausta. Mas foi inevitável pensar que se eu
poderia ter contratado duas transportadoras, também poderia ter contratado
três. Valha-me deus! E se amanhã aparecerem dois caminhões na rua, minha nossa
senhora! Essa possibilidade existia mesmo, porque o primeiro orçamento foi
feito por um site e como eu estava tendo que resolver 7.452 problemas ao mesmo
tempo, não seria muito difícil que eu tivesse contratado duas transportadoras. Enfim,
peguei no sono.
Já no
dia seguinte, acordei antes do despertador e me organizei para estar pronta
quando a campainha tocasse. E antes mesmo de me levantar já ouvi quando o
caminhão chegou e os rapazes que desceram dele ficaram conversando na calçada
em frente de casa. Gelei junto com o pensamento de que aquele poderia não ser o
caminhão que eu tinha contratado. “Qual era mesmo o nome da empresa? Ação,
Aline, não, Anninha, Horizonte, mulher. Ah, é mesmo. Horizonte. Horizonte.” Fui
na pontinha dos pés até o quarto da frente espiar pelas frestas da janela pra
ver se era o caminhão da Horizonte. Ufa! Nossa senhora! como é bom sentir
alívio. Agora eu entendo um doido lá te Russas que vivia puxando os cabelos só
pra sentir o alívio de parar. Nunca o horizonte visto pela minha janela tinha
sido tão lindo. Tudo bem, tudo bem, mas isso não era garantia de que outro
caminhão não viria.
Bom, mas
pelo menos o contratado estava lá. Pouco depois eu ouvia a campainha tocar e
quatro homens desconhecidos entraram na minha casa. Essa foi a maior
experiência de administração que eu já vivi. O bom é que já tinha muitas caixas
prontas para eles se divertirem. Os móveis maiores que podiam já ser arrumados
no caminhão iam sendo cobertos e deslocados. Nunca vi pessoas com tanta força,
como aqueles caras. O seu Raimundo foi encarregado de arrumar meus utensílios
de cozinha e ele era incrivelmente delicado com as taças. O Donizete era o mais
forte e aperreado do juízo. Deus me livre! A loucura de tantas perguntas e
demandas até me fazia esquecer da possibilidade de outra transportadora
aparecer. Foi aí que a campainha tocou de novo. Será que eram Marília e Bianca?
Não, não
era. Outro desconhecido diante do meu portão e no horizonte atrás dele, um
caminhãozinho de mudanças. “Me lasquei.”
— Dona Ana? Eu sou da Transporte Ação.
— Como você se chama?
— Marcelo.
— Bom dia Marcelo. Querido, deve estar havendo alguma
confusão, mas eu confirmei com outra empresa.
— Mas a moça do escritório disse que estava tudo certo.
Ela não ligou pra senhora ontem?
— Não, não ligou.
Depois
dessa conversa rápida ele se afastou para entrar em contato com o pessoal do
escritório. Fechei o portão decidida a não me estressar com aquilo: eu pagaria
o que fosse preciso e não me sentiria culpada. Era preciso entender que em meio
a tantas decisões e escolhas, era possível, muito possível cometer enganos. De
novo me lembrei do doido lá de Russas. Levei a mão direita até a nuca, deslizei
os dedos pelo cabelo e puxei de levinho, depois um pouco mais forte. E aí senti
o alívio do doido. Mal pude responder as últimas demandas dos meus ajudantes e
já era chamada pela campainha.
Lá fora,
o mesmo rapaz de antes e agora também um homem mais velho e uma moça. Eram os
envolvidos na mudança e a moça da arrumação. Ah, e a moça do escritório, pelo
telefone, porque eu pedi que ligassem para ela, já que a cópia do e-mail que me
apresentavam não dava indício nenhum de que eu tinha contratado o serviço
deles.
— Bom dia.
— Olhe eu tenho como comprovar que a senhora contratou o
serviço.
— Bom dia querida. Veja, pelo e-mail que me apresentam
aqui, não tem não.
— Ou a senhora arca com essa despesa, ou eu vou acioná-la
na justiça.
— Olhe querida, não me ameasse porque aí sou eu que posso
colocar você na justiça.
— Eu não estou ameaçando, mas a senhora vai ter que
assumir esse gasto, porque a blá, blá, blá, blá....
Por um
instante eu me desliguei daquela conversa. Puxei de novo meu cabelo, bem de
levinho e voltei.
— Está bem, eu vou decidir o que faço. Bom dia pra
senhora.
Devolvi
o telefone para o rapaz e me dirigi ao senhor mais velho, que depois eu soube
era pai dele. Ele muito gentilmente me explicou que vieram de muito longe e que
ficariam muito gratos se eu pudesse pagar a gasolina. Que deveria ter havido
algum engano e que isso e aquilo. A moça também foi muito solícita. Aí acordamos
o que seria dividir o prejuízo e assim, fizemos. Depois que eles foram embora
já era mais de 9 da manhã e eu pensei que talvez nenhuma outra transportadora
fosse mesmo aparecer. De novo o alívio. Lá dentro, a casa ia deixando de ser
casa e passava a ser só casca.
— Quem aceita um café? – perguntei só por perguntar,
porque o café era mesmo pra mim. Precisava me acalmar para não perder energia
com aquela confusão. Inutilmente tentei encontrar um lugar onde não houvesse um
desconhecido para tomar meu café em prece. Tudo bem. Tomei mesmo assim. Logo
depois as meninas chegaram e eu pude me sentir mais segura para empreender
aquele trabalho de Hércules.
Graças a
arrumação tão antecipada dos livros, às 11 e meia já estávamos a caminho da
nova morada. Tão estranho sair de um bairro querido. Os sentimentos eram muitos
e confusos. Até vergonha eu sentia por estar me mudando. Pode um negócio
desses? Tempos depois, lá estávamos nós descarregando os móveis, as caixas, as
malas, os objetos, tudo, na casa nova. À noite, quando as meninas foram embora,
muitas caixas já estavam esvaziadas, muitos livros na estante, louças no
armário e o espírito exausto, porém contente. Diante da mini sacadinha, um
lindo botão amarelo, que subia lentamente pelo céu, me dava as boas-vindas. Boas-vindas
à casa nova, boas vindas ao novo horizonte.
Muito boa essa crônica Kare. Nunca imaginei que transportadora pudesse dar tanta confusão...
ResponderExcluirbeijos da bel
He he he he, nem eu, Bel. Mas no fim deu tudo certo! Obrigada pelo carinho de sempre.
ResponderExcluirbeijo