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domingo, 27 de maio de 2012

Um cheirinho de história na poesia de Chico Buarque

            Hoje quero postar poemas. Sim, poemas. Poemas musicados, poemas. Poemas de um dos maiores compositores brasileiros, na minha opinião. Carrego este poeta no mesmo balaio que carregaria Vinícius de Morais e o Maestro Brasileiro. Pois é. Pelo visto ele invadiu o Balaio para sempre. Semana passada, postei aqui um livrinho seu, para crianças. Hoje, posto duas de suas poesias. Cada letra vem com um comentário inicial que tiro do livro “Chico Buarque” de Wagner Homem, que foi publicado 2009 pela editora portuguesa Leya. Vamos à poesia?

Pedro Pedreiro
Chico Buarque (1965)
            Esta música fez o sucesso do disco Chico Buarque de Holanda, de 1965. Sobre ela Chico diz:

Quando fiz “Pedro pedreiro”, tive a sensação de que pela primeira vez estava compondo uma música realmente minha, que já não era mais imitação de Bossa Nova. Daí em diante, as coisas começaram a acontecer.

            Em 1968, em depoimento para a revista Pais & filhos, Sérgio Buarque de Holanda identifica nessa letra uma influência clara de Guimarães Rosa: “quando fez ‘Pedro pedreiro’, inventou uma palavra, ‘penseiro’. Talvez inspirado em Guimarães Rosa, que também era dado a inventar palavras”. Anos depois, no DVD Uma palavra, Chico admitiria isso.




O poema

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém
Pedro pedreiro fica assim pensando

Assim pensando o tempo passa e a gente vai ficando prá trás
Esperando, esperando, esperando
Esperando o sol, esperando o trem
Esperando aumento desde o ano passado para o mês que vem

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém
Pedro pedreiro espera o carnaval

E a sorte grande do bilhete pela federal todo mês
Esperando, esperando, esperando, esperando o sol
Esperando o trem, esperando aumento para o mês que vem
Esperando a festa, esperando a sorte
E a mulher de Pedro, esperando um filho prá esperar também

Pedro pedreiro penseiro esperando o trem
Manhã parece, carece de esperar também
Para o bem de quem tem bem de quem não tem vintém

Pedro pedreiro tá esperando a morte
Ou esperando o dia de voltar pro Norte
Pedro não sabe mas talvez no fundo
Espere alguma coisa mais linda que o mundo

Maior do que o mar, mas prá que sonhar se dá
O desespero de esperar demais
Pedro pedreiro quer voltar atrás
Quer ser pedreiro pobre e nada mais, sem ficar

Esperando, esperando, esperando
Esperando o sol, esperando o trem
Esperando aumento para o mês que vem
Esperando um filho prá esperar também

Esperando a festa, esperando a sorte
Esperando a morte, esperando o Norte
Esperando o dia de esperar ninguém
Esperando enfim, nada mais além
Da esperança aflita, bendita, infinita do apito de um trem

Pedro pedreiro pedreiro esperando
Pedro pedreiro pedreiro esperando
Pedro pedreiro pedreiro esperando o trem

Que já vem
Que já vem
Que já vem
Que já vem
Que já vem
Que já vem


Roda-viva
Chico Buarque (1967)

            A peça Roda-viva não tinha nada de político. Na verdade era sobre o show business, que tanto assustava Chico Buarque e descrevia a trajetória do cantor popular Benedito Silva, engolido pelo esquema da televisão. José Celso Martinez foi encarregado da encenação e aproveitava o momento em que se acreditava que o teatro provocar a plateia, para seus exercícios de diretor. Tudo com a anuência de Chico. A peça estreou no Rio e depois teve sua temporada em São Paulo. Na noite de 17 de junho, o CCC (Comando de Caça aos Comunistas), uma organização paramilitar, invadiu o teatro, destruiu o cenário e espancou violentamente o elenco, do qual fazia parte Marieta Severo, então casada com Chico. Meses depois, em Porto Alegre, essa violência se repetiria pondo um ponto final à carreira da peça.


 

A música Roda-viva obteve o terceiro lugar no III Festival da Música Popular Brasileira da TV Record (setembro e outubro de 1967).

O poema

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...

A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá ...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou...

A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou...

No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá ...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...










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