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sábado, 7 de março de 2015

Caminho da anta

Pois é... finalmente, o 2015 chegou também ao Balaio!! Desejando que o seu 2015 continue iluminando e abrindo um novo tapi'i'rapé a cada dia. Boa leitura!

Faz tanto tempo eu li, em um dos textos do Rubem Alves, não me lembro exatamente em qual, que o único mecanismo de defesa da anta era correr para o seu velho e bom caminho. A proteção viria pelo fato de que em um dado trecho a passagem era apertada o suficiente para passar apenas a anta, deixando para trás o eventual predador que estivesse com as garras e presas encravadas em sua carne. Particularmente, do alto da minha sapiência de sapiens sapiens, eu não diria que esta é uma boa estratégia de sobrevivência. Mas considerando o fato de que essa espécie só está ameaçada de extinção por causa da caça pelos sapiens e do desmatamento, talvez a estratégia não seja, assim, de todo ruim.
Pois foi depois que me mudei, recentemente, que essa história voltou às lembranças. Dentro da casa nova senti exatamente o que deve sentir uma anta em reabilitação, que é deixada numa floresta estranha. Não havia caminhos conhecidos que me fizessem sentir familiaridade ou proteção. Voltar para aquela floresta, ao final do dia, implicava sempre negociações. A casa não me acolhia. Não tinha jeito. Na verdade, o espaço novo oferecia uma resistência danada à minha entrada. Eu desejava um caminhozinho que fosse. Mas não apareceu nenhuma anta salvadora para me ajudar. Isso só começou a mudar quando passei a receber na minha nova floresta as pessoas mais queridas: as escritoras das tardes alegres de terça-feira, as bruxas amáveis dos diálogos com as deusas, as Azevedas, os Martins a Eva. Elas foram amansando o espaço e ele, aos pouquinhos, cedia. Passava a ser familiar, se mostrava familiar. Quase sorria pra mim.
O mais engraçado, foi perceber que quando o espaço me acolheu eu fui lá e mexi nele de novo! Mudei uma mesa de lugar, reorganizei um dos quartos, mexi nas plantas, inutilizei armadores, planejei novos, pendurei outros quadros. Só que dessa vez, ele me aguentou. Nem reclamou nem nada. Parece que agora somos já parceiros. Ou como diz a Bel, meu anjo da guarda, finalmente, chegou. É como se todos os caminhos ali dentro já fossem meus, conhecidos ou não, trilhados ou não. Todos caminhos da Anna. Aliás, os índios Aikewára conhecem ainda outro caminho da anta, Tapi'i'rapé. No céu deles, há uma constelação, Anta do Norte, que surge ao anoitecer na segunda quinzena de setembro, no lado Leste e caminha pela Via Láctea. Para eles a Via Láctea é o caminho da anta, Tapi'i'rapé. E que caminho! Essa constelação indica uma estação de transição entre o frio e o calor para os índios do sul do Brasil e entre a seca e a chuva para os índios do norte do Brasil.

Um caminho da anta que não representa nem só o familiar, nem só a mesmice, e sim o movimento, a transição, a mudança. Talvez seja isso que faça a presença das pessoas amadas no novo espaço. Seus passos, seus corpos se deslocam fazendo o ar dançar, fazendo o espaço bailar numa dança de vida. Aí as pegadas ficam como pontos reluzentes e o chão vira um céu onde brilha um Tapi'i'rapé só meu, só nosso. Não leio mais Rubem Alves. Ele ficou um pouco repetitivo pra mim. Mas talvez todo autor fique repetitivo quando se dedica a defender uma ideia, uma hipótese. Talvez, até os grandes autores tenham o seu caminho da anta. 


2 comentários:

  1. Ate ler sua cronica eu não sabia mas certamente sempre tive também isso...um caminho, um refugio, um porto seguro...o caminho da anta. Adorei Kare.

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  2. Ahhh Bel querida! Você sempre deixando o perfume dos comentários, quando passa por aqui, né? Obrigada!!
    beijo,
    da Anna.

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