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domingo, 15 de dezembro de 2013

Comunicafé

               Querido leitor, querida leitora, mais uma Crônica de Balaio para ser lida com uma deliciosa xícara de café. Para ser lida como uma pausa, como um respiro na correria dos dias. Boa leitura!


                Viver num mundo tecnológico e cheio de soluções complicadas para problemas simples, talvez esconda as enormes revoluções que representaram invenções, que para os dias de hoje, são muito simples. E de todas as tecnologias as mais abundantes são as da comunicação. Inúmeras formas, meios, códigos, linguagens para facilitar, favorecer, permitir, ampliar a comunicação entre as pessoas. E o que acontece? As pessoas consomem a tecnologia e se esquecem de se comunicar. Pois é. Fico imaginando como não deve ter sido impressionante, para nossos ancestrais, sentar ao redor de uma fogueira e perceber que a carne fica diferente depois que passa pelo fogo. Deve ter rolado um comentário aqui e outro ali, com certeza.
                Mas de todos esses devaneios tem alguns que me capturam mais. Por exemplo: como deve ter sido a primeira vez que Kaldi, um pastor de cabras na Etiópia ou no Iêmen, percebeu que seus animais ficavam mais lépidos depois de comer as frutinhas vermelhas de um arbusto que crescia nas montanhas? Daí a ele mesmo experimentar e mais, torrar as sementes, moê-las e banhar aquele pó com água quente, deve ter passado sabe-se lá quanto tempo. E por que alguém quis fazer isso? Que invenção maravilhosa! Ao longo de todo esse caminho, essa experiência deve ter dado muito o que falar. A começar pelo cheiro exalado durante todo o processo. Depois, os efeitos daquela bebida, tão simples, sobre a rapidez do pensar e a atenção, certamente colaboraram para que essa invenção se espalhasse por todo o mundo. E alguém vai me dizer que isso não foi uma revolução? Imagina!
Hoje se conhece cerca de 25 espécies de café, das quais só algumas são cultivadas comercialmente, mas a original continua sendo a preferida para a bebida. Onde quer que tenham crescido as primeiras plantas só começaram a navegar cerca de 1000 anos antes das caravelas aportarem nas praias do novo mundo. Fico imaginando quem teriam sido os egípcios, os gregos e os romanos se tivessem conhecido o café. Nem dá para imaginar.  A primeira loja de café foi aberta no Cairo em 1550 e as primeiras cafeterias chegaram em Londres e Paris lá pelos 1650.
Aqui no Brasil, a chegada do café está envolta em histórias extravagantes, embora haja informações em comum: o ano de 1727 e a figura de Francisco de Melo Palheta. Conta a história que Palheta foi até Caiena para agradecer ao governador D’Orvilliers, depois de ter recebido muitas gentilezas durante sua missão militar na fronteira. Para impressionar a realeza, comprou roupa nova e um chapéu bordado de um comerciante francês. Ai, todo trabalhado na elegância, foi recebido no palácio pela esposa do governador, Madame D’Orvilliers, com quem compartilhou, pela primeira vez, a experiência de beber um xícara de café. Conta a lenda que a comunicação que rolou entre os dois foi tão fácil, diversificada e ampla, que Palheta voltou para o Brasil com uma carga preciosa. Além do punhado de sementes, colocadas no bolso da calça, por Madame D’Orvilliers, durante um passeio pelo cafezal do palácio, Palheta trouxe consigo cinco mudinhas daquele ouro, numa época em que a venda de plantas produtivas era reguladíssima. Ê Brasil!
Não tenho dúvidas de que se os líderes de países, reinos e povos se detivessem a tomar uma xícara de café antes das negociações mais difíceis, não teríamos perdido tempo, vidas e história em guerras intermináveis e sangrentas. Acho que a comunicação não precisa de mais tecnologia. Precisa sim, de mesa com toalha de algodão, um pequeno vaso com flores e duas xícaras de café arábica. De preferência orgânico, plantado à sombra, colhido no seu tempo, torrado e moído com ternura e passado no coador. Os italianos que me desculpem, mas o expresso só é minha opção nos lugares onde o café é feito na hora. Na hora que abriram o estabelecimento. De verdade, eu prefiro o café de coador. Aliás, adoro os cafés bebidos depois do almoço na casa de qualquer um dos Azevedos, principalmente quando é feito pela tia Tota. Para mim, café é sinônimo de pausa, de um tempo para mim, para pensar fora do esquadro. O café é a desculpa para tudo o que pode acontecer enquanto se está esperando a xícara com aquela fumacinha cheirosa, é o espaço no tempo para a comunicação fluir quente, doce ou amarga mas invariavelmente gostosa.

4 comentários:

  1. Eita cronica saborosa. Gostosa de ler. E para quem como eu também aprecia o tal de coador, e que gosta de meia hora de pijamas toda manha pra aproveitar desta bebida, ela, a cronica, está na medida certa. Beijos Kare

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  2. Ahhh Bel, você é uma linda! Meu quadro está no seu lugar de direito. O rego até já estava na parede!!! rs. Obrigada pelas visitas!

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  3. Oi, karê, ficou linda e saborosa, como disse a Bel, dá vontade de tomar café.

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    1. Ai que bom!! Então isso merece uma xícara! Obrigada por sempre passar por qui, querida! Vou sempre querer os seus comentários.

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