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segunda-feira, 2 de setembro de 2013

O dia em que Valentina conquistou seu reino

              Depois de várias semanas sem textos novos, aqui vai uma historinha. Essa é uma das que eu cato no meu baú de tralhas, invencionices e lembranças, para colocar aqui no Balaio. Espero que goste! Ah, gostando ou não eu queria muito que você me dissesse o que achou dela. Certo? Boa leitura!



            Mas aquilo já era demais! Não é possível que ela fosse assim tão malvada! Quem ela pensava que era? Enquanto ouvia esses pensamentos, chorando de raiva, Valentina subia magoada pelos galhos da mangueira. Parava um pouco, chorava um tanto e depois subia mais. Até que acordou de susto quando o pezinho escapuliu. Só aí se deu conta de que tinha subido tão alto, que quase dava pra ver o fim do mundo! O sol que se arrumava para dormir lançou-lhe um carinho de raio nos olhinhos chovidos. A menina riu enxugando a bochecha.
Noooossa, Antônia, subi tão rápido que quase caí, não foi? – Perguntou isso automaticamente, porque no fundo Valentina sabia que sua árvore nunca, jamais, nunquinha a deixaria cair. E dava mesmo para pensar isso, porque de um jeito ou de outro, um galho sempre ficava ao alcance de suas mãos.
— Foi sim, majestade apressadinha. E por que esse choro? Antônia era o chamego de Valentina. Ou seria o contrário? Não se sabe. O que se sabe é que tinha um encantamento entre aquelas duas. Ah, se tinha! Tanto a irmã mais velha, quanto a mais nova já tinham caído da mangueira, e por isso mesmo, nunca subiam tanto. Valentina era a rainha e Antônia era o seu reino.
— Ah... minha mãe é muito chata! Ela pensa que manda em mim. Como é que eu ia pra praça com esse vestido todo sujo? Foi sem querer que eu me sujei! Sem querer!
— É que os adultos são assim, um pouco mandões. Eu sei que foi sem querer, eu sei que foi. Logo passará essa raiva, você vai ver.
— Raiva? Mas eu não tô com raiva. Claro que não, Antônia! Filha não pode ter raiva de mãe, sabia?
— Ah, não? Por que não?
— Porque... porque... porque... ora, porque sim! Eu amo minha mãe!
— E quem disse que às vezes a gente não sente raiva de quem ama? Sentir raiva não apaga o amor que a gente tem.
— Não? Como você sabe? Você nem é gente, Antônia.
— Não sei, eu sinto. Sinto que você está com muita raiva de uma pessoa que você quer muito bem.
— Tô é nada. Eu nem queria mesmo ir praquela praça...
— Agora, você está mentindo.
— Ah, mangueira... para, ô! Senão eu vou descer.
— Mas é uma mimada, essa menina. Tudo bem, tudo bem. Não quero que você desça, estava com muita saudade de sua majestade.             
— Eu também minha mangueirinha, eu também. ‒ Valentina abraçou com todo carinho do mundo o galho mais próximo, que também era o favorito. Aliás, ela adorava escolher seus favoritos. ‒ E sabe o que mais? Duvido você adivinhar.
— Não acredito!
— Duvida?
— Duvido muito!
— Pois agora, você vai ver. Olha isso!
            Quase nem respirou e Valentina já subia reino acima na direção do altíssimo. É que um dia, seu pai amarrou almofadas reais pelos galhos e uma das almofadas tinha sido amarrada em um galho altíssimo! Foi isso que ele disse: altíssimo! Devia mesmo ser um galho importante. E Valentina seguia. De vez em quando parava e confirmava a dúvida da árvore. Quanto mais a mangueira duvidava, mais a menina subia. Eita menina sapeca, parecia mais uma macaquinha de tão ágil e forçuda. Ela se esticava todinha tentando encontrar apoio para subir mais um galho. Era nessas horas que sem mais nem menos aparecia um galho perfeito, mas que ela não tinha visto antes.
Antônia gargalhava de tão feliz e orgulhosa. Até já dava para avistar o trono real, ali, perto do fim do mundo, quase encostado no céu. Mas para chegar naquele galho e sentar naquela almofada era preciso muito mais. Não era à toa que seu pai tinha usado a palavra “altíssimo”. Pois é. A certa altura, Valentina pensou que dali não passaria. Mas ela era mesmo teimosa. Olhou em redor, avaliou as distâncias e enchendo os pulmões de coragem pulou na direção do galho mais próximo. E por alguns instantes Valentina voou. Agarrada no galho abraçou-o também com as pernas e subiu arrastando o vestido sujo de sorvete. Que danada! A mangueira aplaudiu.
— Viu só, Antônia? Eu não disse que chegava até o altíssimo! Quem mandou você duvidar?
— Pois não foi, majestade! Como você foi ágil e valente! ‒ Dizia a mangueira saltitando de alegria, como só as árvores sabem fazer.
— Meu pai não vai acreditar que eu subi até o altíssimo! Eu sou a rainha da minha mangueira!
            E ali ficou a rainha Valentina, sentada no seu trono almofadesco, enquanto o sol lhe fazia uma reverência e ia embora por detrás dos telhados das pequenas casas da vila. 
— Valentinaaaaa! Cadê você, menina?
— Ih... é minha mãe. Eles voltaram, Antônia. Que é, mãe? Tô aqui no altíssimo!!
— No altíssimo? Como é que você subiu aí, sua danadinha?
— Ora, mãe... com meus poderes de rainha, claro!
— Poderes de rainha, é? Pois então dona rainha, trate de descer, antes que escureça ainda mais e seu reino fique muito perigoso.
— Eu não disse, Antônia, que a mamãe pensa que manda em mim... ‒ Disse ela cochichando em um dos ouvidos da árvore.
— Mas ela tem razão, majestade. Acho que já está na hora de sua majestade se recolher aos seus aposentos. ‒ A menina fez cara de interrogação com aquelas palavras estranhas, mas não quis perguntar o que era. Começou a descer bem devagarzinho, como se não quisesse chegar ao chão. Já embaixo, abraçou o tronco da mangueira e beijou uma de suas bochechas.
— Valentina!
— Já vou mãe! Tchau, Antônia. Durma bem e lembre sempre que eu te amo.
— Eu também, minha valente.
— Valentina! Ô filha, saia logo desse quintal. Venha... venha... venha fazer sua coroa!
— CO RO A? ‒ Os olhinhos da rainha brilharam como duas luas cheias ‒ Coroa, mãe?
— Sim, claro. Se você acaba de conquistar um reino, agora precisa de uma coroa. Onde já se viu uma rainha sem coroa? Venha logo ‒ e a menina foi pulando, correndo e virando estrelinhas, do fundo do quintal até aporta de casa, onde a esperava a rainha mãe.
— Que dizer que a senhorinha subiu até o altíssimo? ‒ abraçada às pernas da mãe, Valentina pedia desculpas pela birra, bem baixinho, mas sem dar o braço a torcer ‒ Seu pai já sabe disso?
— Não, mãe!!! Cadê meu pai? Paaaaaaai, eu subi até o altíssimo!
E lá se foi vossa majestade, a rainha Valentina I, pela casa a fora rumo a primeira noite do seu longo reinado.



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