Páginas

domingo, 10 de março de 2013

Essa vida de adulto


           Comecei a escrever essa crônica há dois domingos atrás. Estava ansiosíssima com o Simpósio que faríamos na terça seguinte e a única ação que me acalmou foi sentar e escrever algumas reflexões que há muito planavam nos meus pensamentos. Fiquei contente ao escrevê-las, fiquei contente com o Simpósio e espero que de alguma forma esse texto converse com suas reflexões cotidianas. Para começar bem a semana, mais uma Crônica de Balaio.

         Num daqueles dias de 2010 estávamos eu e Kleiton, conversando no quintal da casa da Michele, enquanto ele fumava um cigarro.
É Kare... e o louco é que nossos pais faziam tudo parecer tão simples, né?
— Não é menino! Esse mês, Kleiton, tá difícil até pagar conta com dinheiro no banco, sabia? O que me deixa pior ainda. Me sinto um lixo quando eu consigo atrasar o pagamento de uma conta mesmo tendo dinheiro pra pagar.
— É, mas a questão é outra, né? Essa vida moderna exige demais da gente. E tem horas que eu fico paralisado.
—Isso mesmo! Paralisia. São tantas coisas pra fazer, resolver, pensar, querer que a gente paralisa. Fico te imaginando com os problemas de saúde dos teus pais. Que barra, heim nêgo.
— Barra mesmo, Kare. E ter ido morar com eles de novo tá sendo difícil, viu!?
 — Acredito. Além da separação em si, ter que lidar com essa volta pra casa e num momento tão delicado... ok, você venceu.
         Demos risada enquanto ele apagava o cigarro na sola do sapato e voltamos para sala onde, junto com outros três colegas da EACH, planejávamos um evento sobre diabetes. Enquanto caminhávamos eu pensava na vida do Miguel, da Viviane e da Michele. Cada um com suas questões, cada um com seu cada qual. Cada um sabendo a dor e a delícia de ser quem é. No entanto, estávamos ali planejando um evento que para nosso entendimento de educação e do nosso papel no mundo fazia todo o sentido, por mais que na moeda acadêmica isso não valesse nada. Estávamos ali pelo sonho, pelo desejo de coerência mínima entre discurso e prática. Senti alegria.
         Em tantos outros momentos, essa sensação de paralisia se fez presente. Durante a pós-graduação isso era recorrente. A cada novo experimento eu demorava, enrolava um monte até que começava, para depois perceber que o dragão não era tão grande. E por mais que isso sempre acontecesse, eu nunca conseguia encurtar esses períodos de imobilização. Talvez eu tivesse a ideia burra de que o bom e o necessário devem acontecer sem esforço, sem trabalho. Devia ser isso. Eu não entendia como era que o meu orientador podia trabalhar tanto e ser feliz. De certo é porque aquilo, para ele, não era só trabalho. Vivia cansado, não almoçava direito, mas sempre entusiasmado com o resultado mais simples dos nossos experimentos. Sempre criativo e motivado para muito mais. E eu achando aquilo tudo uma alienação danada. Alienação. Alienada era eu que achava que era possível construir sonhos sem muito sangue, suor e lágrima.
         Esses dias tenho andado mergulhada na infinidade de tarefas necessárias para a realização de um simpósio na nossa Escola. Dezenas de mensagens, inúmeras reuniões, contatos daqui e dali, várias ligações telefônicas. E preciso me lembrar de que não é porque eu liguei que a tarefa foi cumprida, certo? É necessário falar com a pessoa. Uma obviedade, eu sei. Mas do mesmo jeito que há meses em que pagar as contas vira um trabalho de Hércules, há momento em que enfrentar conversas, ainda que breves e simples, me dá a sensação de lutar contra um titã. E depois que desligo penso: não foi tão difícil. Aliá, não foi nada difícil. E de novo um trabalho tremendo que não me dará uma linha importante no Lattes. Mesmo assim me vejo entusiasmadíssima com o que estou fazendo, porque faz sentido. Ai, sinto alegria.
         Mas a paralisia também existe quando a tarefa é me divertir. Em maio farei uma viagem sozinha e demorou muito para eu começar a curtir a ideia. Aliás, quem quis viajar, fui eu e mesmo assim, tive dificuldade para começar a olhar os preços das passagens, escolher hotel e os etc. Não deveria ser muito legal preparar uma viagem que se quer fazer? Que se idealizou? Na minha lógica, seria. Mas na minha prática não é. Fico enfurecida com essa Anna Karenina. Afinal, qual é o ponto? Uma negação da maldição primordial, que diz: ganharás o pão com o suor do teu rosto, ainda que o mandamento tenha sido para Adão? Ou seria assumir a filiação de Antônio na minha vida de certidão e viver como se tudo fosse resolvido com inteligência? “Sim, mas, inteligência não exclui esforço!” Ah, não? “Claro que não... Não vai dizer que você quis ser cientista achando que teria uma certidão de glória e uma vida de Nobel por ação do acaso, vai?” Está bem, não digo. Não digo e dou razão ao Filipe, que em uma das tirinhas de Quino, termina o último quadro com a célebre frase: “nunca termina uno de conocerse”.
Conhecer-se e reconhecer-se nesse mundo cheio de opções é de certo uma tarefa para essa vida de adulto. Talvez a maior. Saber o que me traz alegria e realização, e mais, assumir isso como escolha, é ser adulto. É aceitar a complexidade que venho construindo, mesmo que ela não seja ainda reconhecida no Lattes. Se não consigo lidar com mais do que 5 opções de soverte, por que insisto em frequentar a 50 sabores? E olha como é bom ser adulto: não só posso escolher o sabor, mas decidir tomar sorvete, mesmo gripada. Me deixar orientar pela satisfação de uma tarefa ou desejo bem cumpridos, achando que faz sentido na minha vida e que pode ser interessante pra vida de alguém, é o meu ser adulto. É o meu ser autônomo. Mas isso exige! Exige de mim uma atitude que só me lembro de ter tido, assim, tão naturalmente, quando era criança: coragem.
        
        
        
         

5 comentários:

  1. Olá! Tudo bem?
    Que bom que você deixou uma mensagem no meu blog (Matraqueando) porque assim descobri seu site e posso entrar em contato por aqui!

    Estamos tentando enviar seu Guia Matraqueando, mas seu e-mail (da USP) volta. Já deixei mensagem para você há tempos no Facebook mas acho que você não viu. Por favor, escreva para sac@matraqueando.com.br e nos passe outro e-mail por favor! Abs!

    Silvia Oliveira
    matraqueando.com.br

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oiê!

      Ainda não recebemos seu novo e-mail para envio do Guia Matraqueando. Aguardo contato.
      Abs!
      Sílvia

      Excluir
    2. Oi querida,
      hoje te enviei outro e-mail. Você chegou a ver?
      Obrigada.

      Excluir
  2. Karenina você me fez descobrir através desta crônica o que é que me aperreia vez e outra...rs...o fato de ser adulta....Muito bom, porque também me fez lembrar que o que ela quer da gente é CORAGEM....
    beijos minha flor
    bel

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. é isso mesmo, Bel, coragem!! Fico morta de feliz com a visita e pelo fato do texto conversar contigo. Passe sempre! um beijo!

      Excluir