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domingo, 9 de setembro de 2012

Tempo, a gente inventa



         O texto que você lerá agora foi escrito, recentemente, e nele eu conto como tenho tentado me relacionar com o tempo. Para ilustrar, inclui duas fotos feitas no tempo de lazer. E você, como tem se relacionado com o seu tempo?


          De uns tempos pra cá eu decidi não dizer mais que não tenho tempo. Ah, e também não concordar com a máxima de que se está sempre na correria. Acho que isso virou a desculpa mais fácil e rápida para o que as pessoas não querem fazer, mas não têm coragem de dizer. No meu trabalho... ah, como isso acontece. Parece que entre os acadêmicos não ter tempo é sinônimo de ser importante. Quanto mais ocupado, ou melhor, desastradamente ocupado for o indivíduo, mais relevante é o que ele faz, menos poderá se dedicar às tarefas menores, como por exemplo, almoçar. E no dia em que alguém não consegue almoçar, essa peripécia vira notícia. Lá estou eu na pausa profana para o café da tarde, ainda por cima sentada, e caio na besteira de cumprimentar um colega, que devora ofegante e de pé, um salgado qualquer. A ladainha é exatamente o que previ. O pior não é nem ouvir o que todos dizem. O pior mesmo é quando alguém tenta diminuir a minha presumida culpa, dizendo, “mas todo mundo vivi assim, atualmente, né?” O né é que me mata, porque minha vontade é de dizer, né não. O meu tempo eu invento.
         Mas não é fácil inventar o próprio tempo. Quer dizer, fácil até é, mas ninguém pode saber. Por quê? Ora, já pensou no que aconteceria com alguém que tivesse uma máquina de fazer dinheiro? Descobrir que alguém é capaz de inventar o próprio tempo daria no mesmo. Acho até que alguns colegas, aqueles mais próximos, já descobriram. O primeiro sinal é que eles passam a achar que o meu minuto vale muito pouco, ou quase nada. Isso se manifesta na facilidade para desmarcar, ou não comparecer a compromissos agendados há tempos. Até meus alunos já descobriram isso. Tenho absoluta certeza de que eles realmente acham que suas vidas são muito mais cheias de compromisso que a minha e que posso abrir minha agenda para nossos trabalhos, mas eles não.
         Tempo sempre será artigo de luxo. Ainda mais quando se resolve parar na cidade que não para nunca, onde o povo tem orgulho de ser apressado. O pior é quando se corre horrores, para parar no trânsito. Aí é o fim! Mas, de verdade, eu até entendo. Numa sociedade fundamentada na lógica do capital, é isso mesmo. Como a gente vai acumular o suficiente, se não estiver consumindo o tempo inteiro? E em se tratando de acumular, quanto será suficiente? Na academia, já que não é possível acumular dinheiro, resolveu-se acumular artigos científicos. Pois é. Aí, um tempo que deveria ser dedicado ao ensino, extensão e pesquisa é represado, exclusivamente, na produção de artigos científicos. Sim, porque fazer pesquisa nunca será sinônimo de publicar artigos científicos. E os bestas que inventam tempo para se dedicar à docência, que o façam. Docência nunca deu figurinha. Não parece ser colecionável! E nessa loucura de acumular cada vez mais, num tempo cada vez menor, a gente se perde. Alguém disse um dia que é preciso coragem para se tornar quem se quer ser. De fato. É preciso coragem para inventar o próprio tempo e assumir a listinha de prioridades e importâncias.
          Outro dia, quer dizer, vários meses atrás, eu conversava com meu primo e seu companheiro, o Marcos, e eu falava que a gente tinha que ser menos burocrática para os encontros. Que encontrar não deveria, necessariamente, significar horas de um dia. E que já que morávamos tão perto, podíamos nos permitir visitas rápidas, combinadas 5 minutos antes. Pois foi exatamente isso o que aconteceu quinta-feira passada. Na quarta, fui dormir com a manhã seguinte planejada. Começaria recebendo o Édson, que viria consertar meu chuveiro. Portanto, o banho seria depois, obviamente. Também para essa manhã estava agendada, comigo mesma, a leitura mais atenta do capítulo que enviaremos para publicação. Sim, porque compartilhar o que você estuda é muito legal! Ah, também era necessário tempo para tomar meu café da manhã. Perfeito. Assim começou o dia.
         Depois do café e do conserto, eu me preparava para o banho, que seria o ritual antecipatório do trabalho com o texto, quando... “será que eu atendo?”
— Alô?
— Karé?
— Oi meu querido, tá tudo bem?
— Tá tudo bem, não se preocupe. Você está em casa? Não, por nada. Só que há um tempo atrás a gente conversava sobre sermos menos burocráticos nos encontros, lembra? Aí eu resolvi te ligar. É só pra te dar um beijo, porque já, já eu tenho outra aula.
         Enquanto conversávamos, eu criava mentalmente, as consequências daquela visita inesperada para os meus planos da manhã. “E se ele demorar muito? E se o aluno ligar desmarcando a aula e ele quiser ficar? E se eu tiver que dizer pra ele ir embora, porque tenho que fazer minhas tarefas? E se ele se chatear? Ai, ai, ai... agora segura essa, Anninha. Como é difícil viver como se quer, não?” Logo naquele dia que eu tinha organizado tudo tão direitinho, para cumprir o prazo do grupo? Logo dessa vez que eu tinha lido o texto antes, na noite anterior, para deixar fermentar e etc e tal... Tudo o que mais se deseja para a correção de um texto!! “Coragem mulher! Vamos, lá. Se ele começar a demorar você pede, delicadamente, que ele pegue o rumo do beco. Confia na tua máquina de fabricar tempo! E nas teorias, também!”
— E tu tá onde Marcos?
— Em frente à sua casa. Quero só te dar um beijo.
         Abri a porta e um dia cheio de possibilidades entrou na minha casa. Conversamos na calçada por alguns minutos e eu não resisti a convidá-lo para entrar. Ele aceitou e eu estremeci. Não satisfeita, ofereci um café, mas ele não aceitou. Ufa! Conversamos uns 15 minutos. O suficiente para matarmos um pouco a saudade e ele me convidar para um espetáculo no domingo. Foi lindo. Novamente sozinha e sem pensar iniciei meu ritual do banho. Não diria que foi um banho rápido, mas foi objetivo. Ritual cumprido, agora era começar o trabalho. Desisti de trabalhar na frente da televisão e escolhi um canto iluminado e silencioso da casa, o quarto dos livros. A leitura da noite anterior tinha realmente fermentado e minha avaliação sobre o texto estava mais clara e segura. Fiz pequenas correções e elaborei um parágrafo final, que, na minha singela opinião, ficou muito bom.
         Depois de tudo ter sido possível, fiquei pensando numa estatística que um amigo querido, um dia me falou. “80% do que você faz rende 20% dos seus resultados. E só 20% do que você faz rende os 80% que faltam.” Que estatística cruel, essa. Mas talvez ela só confirme o fato de que é realmente possível inventar o próprio tempo, desde que se escolha melhor a que e como empregar o tempo vivo.

2 comentários:

  1. Karê!
    Li esse seu texto, como se tivesse escutando a sua voz!Que doidera!
    É isso aí, uma mente questionadora não se deixará passar por esse trator da modernidade - pressa - à custa de tantas coisas boas dessa vida.
    Deixar de fazer refeições, de sorrir pra quem está ao lado só por um pingo de falso prestígio...Que tamanho de absurdo!

    "Coragem mulher" para continuar se re-inventando sempre! Seus textos são sempre ótimos. Parabéns querida!

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  2. Ahhhh querida, que saudade de você! E que bom que esse blog nos mantém conectadas, de alguma forma. Tudo de bom e mil beijos.

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