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domingo, 3 de junho de 2012

O canto da alma

            “... Dizem que se por volta do pôr do sol você estiver caminhando, sem saber muito bem para onde, ou procurando sem saber muito bem o que, você pode encontrar uma velha circunspecta, um pouco assanhada e invariavelmente gorda, que mais emite sons de outros animais que humanos. Ela vive por aí. Pelos despenhadeiros, pelas terras mais áridas. Dizem que foi vista a caminho da feira de Oaxaca, México, ou está enterrada perto de um poço, na periferia de Phoenix. Ela vive num lugar que todos sabem, mas poucos conhecem. Esta velha é conhecida por vários nomes: a Mulher dos ossos, a Trapeira e Mulher lobo ou La Loba. Seu único trabalho é recolher ossos. La Loba coleta os ossos de todos os animais do deserto, mas principalmente aqueles que correm o risco de se perder para o mundo. Em sua caverna se pode encontrar ossos de cascavel, de veado, de corvo. Dizem, porém, que sua especialidade está nos lobos. Sorrateira, esquadrinha os arroios, as lapas e as montanhas à procura de ossos de lobos e quando consegue reunir um esqueleto inteiro, quando o último osso está de volta a seu lugar, ela senta junto ao fogo e pensa na canção que irá cantar.
               Quando se decide, ela se levanta, levanta seus braços sobre o esqueleto e canta. La Loba canta a canção e continua a cantar. Nesse momento, sobre os ossos das costelas e das pernas aparecem tendões, e sobre os tendões carne, e sobre a carne pele e pelos. A velha continua sua canção e uma porção maior da criatura de recobre de vida. O rabo toma forma novamente, com uma volta para cima, forte e desgrenhado. E La Loba continua a cantar, cada vez mais intensamente e a criatura-lobo começa a respirar. O canto é tão intenso que o deserto estremece e enquanto canta, o lobo abre os olhos e num salto sai correndo pelo desfiladeiro. Em algum ponto da corrida, quer pela velocidade, quer porque pisou numa poça d’água, ou ainda porque um raio de sol ou de luar acariciou o seu flanco, o lobo é transformado numa mulher, que para, olha pra trás, ri e segue livre na direção do horizonte. Por isso é que se diz que se você estiver perambulando pelo deserto, por volta do por do sol, procurando sem saber muito bem o que, você pode encontrar La Loba. E se você tiver sorte, e ela simpatizar com você, ela vai te contar uma história, uma história da alma.”


             
 Agora a introdução
            Há uma semana atrás, no primeiro encontro do ano do círculo de mulheres, que tenho feito parte, ouvi essa história pela enésima vez e nunca ela se fez tão real quanto agora. Por isso mesmo, decidi contá-la para vocês com minhas palavras, com as palavras da minha mestra contadora ACássia da Paineira (o blog dela está aí do ladinho) e com as palavras da escritora Clarissa Pinkola Estés (Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem  - Rio de Janeiro: Rocco, 1994). Essa história, que é mais uma das vou catando por aí, conta sobre o poder do canto da alma. Um canto que rasga véus, que tem o poder de despertar, de adormecer feras e abrir portais. Por isso, desejo que durante esta semana, que começa hoje, você encontre um tempo para perambular pelo seu deserto, por volta do pôr do sol e correr o risco de encontrar La Loba e cantar o seu canto da alma.

2 comentários:

  1. Adorei querida!
    Que bom te-la no círculo! É lindo o canto da sua alma.
    Bjs
    Cris

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  2. Eu é que estou muito feliz por ter nossa convivência de volta! Obrigada pela visita!
    bj

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